o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)
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segunda-feira, 31 de maio de 2010

luz, tautologia derradeira








ao Luiz Cláudio no dia de seus anos

parei as ondas dos meus sonhos
para o teu corpo carregar
ao meio dia te quero
procuro sobre as águas
em cima das árvores
respiras o que respiro, segues no meu sangue,
por ti mudei, cabelo, corpo
e trago outro sorriso
pensando que o tempo possa voltar
traz-me um pouco do sereno
que a noite reserva a poucos
e que guardas no teu coração
coloco vestidos noturnos
apago os vestígios, suspendo
um verbo caído
que serenamente inventei
na sazonalidade líquida
de cada inverno
segues, às vezes não me reconheço em ti,
outras nem tanto
mãos que transportam desequilibradamente
a geografia e olhos
que esqueceram ouro em praias longínquas.


Juliete Oliveira
 

mau olhado


vendedor de livros usados
fotógrafo de bebê porta-a-porta
humilde abnegação
poderosa capacidade de cultura
pra enganar o olho


ney ferraz paiva

sexta-feira, 28 de maio de 2010

declive do tempo


o medo de não ter medo pode ser a moradia segura do escuro
quando os pecados do mundo desfilam diante de ti
em silencioso espetáculo
teu coração inabitável, trilha em mata fechada
sem perspectiva suplicamos a direção
caminhamos, pisando em metáforas monstruosas como orquídeas
a tua língua desenha a geografia do fim
dizes: viveu tua mais bela tragédia
no círculo da patética inutilidade do martírio
errei estive em tantas portas.



Juliete Oliveira

quarta-feira, 19 de maio de 2010

aspecto do cinema português
lançamento hoje 19 de maio as 21 h
organização: andré queiroz
local: centro cultural justiça federal
av. rio branco, 241 centro rio de janeiro

terça-feira, 4 de maio de 2010

PARA A MINHA FILHA/Brodsky
                                                                                               Veza Manuela
Dai-me outra vida e estarei no Caffè Rafaella
a cantar. Ou estarei sentado a uma mesa,
simplesmente. Ou de pé, como um móvel no corredor,
caso essa vida seja menos generosa que a anterior.

Contudo, em parte porque nenhum século daqui em diante
conseguirá passar sem jazz nem cafeína, aguentarei esse desplante,
e pelas minhas rachas e poros, verniz e todo de pó coberto,
observarei, daqui a vinte anos, como a tua flor se terá aberto.

De um modo geral, lembra-te de que estou por ali. Ou melhor, que
um objecto inanimado pode ser o teu pai, sobretudo se
os objectos forem mais velhos do que tu, ou maiores. Não
os percas de vista, pois, sem dúvida, te julgarão.

Seja como for, ama essas coisas, haja ou não encontro.
Além disso, pode ser que ainda te lembres duma silhueta, dum contorno,
ao passo que eu até isso perderei, juntamente com a restante bagagem.
Daí estes versos, algo toscos, na nossa comum linguagem.

Paisagem com Inundação, Cotovia, Lisboa, versão de Carlos Leite

terça-feira, 27 de abril de 2010

PEDRA NEGRA SOBRE
PEDRA BRANCA













Morrerei em Paris num dia de chuva,
um dia do qual já me recordo.
Morrerei em Paris - e não me incomoda -
talvez numa quinta-feira, como hoje, de Outono.

Quinta-feira será, porque hoje, quinta-feira, dia em que escrevo
estes versos, já coloquei os meus ombros
na mala e, nunca como hoje, me voltei,
em todo o meu caminho, a ver-me só.

César Vallejo morreu, todos pegavam nele
sem que ele lhes faça nada;
batiam-lhe forte com um pau duro
e também com uma corda; são testemunhas
os dias de quinta-feira, os ossos dos ombros,
a solidão, a chuva, os caminhos...

César Vallejo
Tradução Isaac Pereira
Natureza morta
Patrícia Galvão, publicado com o pseudônimo de Solange Sohl

Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados.
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!









Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Si eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém...
Nem a presença dos corvos.

Imagem: Louise Bourgeois

quinta-feira, 11 de março de 2010

Plínio Marcos, o bendito maldito



“Nenhum tesouro está seguro em seus cofres, quando um pai escuta o seu filho chorando de fome.”

Tive a honra de conhecê-lo, de ter conversado com ele muitas vezes enquanto folheava seus livros em uma banquinha que ele armava na entrada da universidade onde eu estudava. Comprei alguns, mas o que gostava mesmo era ouvi-lo contar suas histórias, entremeadas de palavrões, impublicáveis. Dessa época ele disse certa vez: “voltei às minhas origens de camelô, vendo meus livros na rua para sobreviver.”

Fazia palestras também e afirmava que “quando tem palestra, aí é melhor, porque camelô que fala vende mais”. Se autointitulava um camelô da literatura. Ali naquela banquinha improvisada nem parecia um dos mais premiados autores de livros e peças do Brasil. Muitas delas traduzidas e encenadas em outras línguas como francês, espanhol, inglês e alemão. Foi tese de estudos em sociolinguística, semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia, em universidades do Brasil e do exterior. Recebeu os principais prêmios nacionais em todas as atividades que abraçou em teatro, cinema, televisão e literatura, como ator, diretor, escritor e dramaturgo. Esse cara extremamente talentoso, na infância era tido como débil mental. Não conseguia aprender. Seu poder de concentração era nenhum. Para sobreviver foi funileiro, palhaço, camelô, ator, técnico de TV, jogador de futebol, tarólogo, escritor, jornalista. Muita coisa para quem detestava estudar e levou cerca de 10 anos para terminar o curso primário. Mas, o talento se sobrepôs às dificuldades e o mundo pode conhecer o irreverente, o cáustico, o desbocado Plínio Marcos. Considerado por muitos como um autor maldito, soube como ninguém retratar a vida dos submundos de São Paulo. Colocava autenticidade nos seus textos que abordavam o homossexualismo, a marginalidade, a prostituição e a violência. Esse “inimigo do sistema”, como era conhecido pela ditadura militar, morreu em novembro de 1999, aos 64 anos, vitimado por um derrame. O Brasil perdia ali um dos maiores teatrólogos do século XX.

Malu Pedarcini
Postado por Blog da Gazeta Maringaense

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SISTEMA HUMILHATÓRIO E OBRIGATÓRIO DO LIVRO


Dessa vez não vou direto às estatísticas – antes, interessa pensar o ambiente e as práticas a que o escritor está entregue, e de cara sabemos, ele quase sempre vive preso a uma camisa de força, sem que seja levado a sério. Isso tanto que cada escritor deveria mandar seu animal de estimação à conferência setorial do livro leitura literatura, ao invés de comparecer pessoalmente. Causaria mais respeitabilidade e sensibilizaria muito mais os Senhores burocratas. Penso mesmo que tudo ficaria mais fácil para o escritor se a Sociedade Protetora dos Animais o representasse.

Talvez assim se conseguisse perceber as nuances e mesmo as diferenças gritantes entre os livros e suas respectivas leituras. Uma vez que, como os cães, eles não são da mesma raça. E cumprem funções variadas no ambiente de cultura e de saber. Temos, por exemplo, os livros clássicos. Estes obedecem à exigência de um alto padrão de pensamento, cognição e conhecimento. Devem cair na mão das crianças antes que o controle remoto da televisão e do video game comande seus corpos e mentes.

Depois, há os livros modernos, estes para vir sedimentando uma realidade cada vez mais reconhecível, diante da qual se possa ir refletindo e ampliando suas intensidades ao invés de sepultá-las. Vejam que há um jogo de modalidades aqui, mas nunca um exercício aberto de simplificações. A simplificação, executada em larga escala no ambiente da cultura, na escola e mesmo nas faculdades, tornou-se sinônimo de uniformização da mediocridade.

Livros supostamente didáticos, para didáticos e de auto-ajuda funcionam menos do que um regime de linguagem que remeta verdadeiramente a alguma coisa do mundo natural e do pensamento e mais, muito mais como uma escrita de programação, um manual das funções internas da vida que apontam para um mesmo e único sentido. Palavras de ordem. Máquinas e não livros. E ter essas máquinas na escola torna ainda mais eficiente o rígido sistema de controle e da idiotização das massas.

Por isso mesmo que a leitura deixou de fazer parte de uma experiência intelectual para tornar-se lazer e diversão. Uma ocupação menor a que a mídia, o sistema escolar e os governos insistem em empobrecer ainda mais, a ponto de o livro hoje preencher apenas duas funções na socieade: oprimir o leitor e envergonhar o escritor.

Agora estamos mobilizando um amplo aparato psicanalítico a fim de discutir este imenso mal. Uma empreitada que infelizmente não sabemos se resultará plena de consequências. A conferência setorial do livro leitura e literatura reunirá no mês que vem, em Brasília, escritores, livreiros, editores, contadores de história de todo Brasil. Ela consiste em acreditar que, no interior do problema, encontraremos uma lógica salvadora. É possível, é possível. Pena não ter um animal de estimação para enviar no meu lugar. Seria mais garantido. O artista belga Francis Alys mandou um pavão vivo para a Bienal de Veneza. Na impossibilidade de um pavão, será que serve um papagaio? Sempre considerei o papagaio menos passivo do que muitos escritores.

Ney Ferraz Paiva

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Fala Também Tu



Fala também tu,
fala em último lugar,
diz a tua sentença.

Fala —
Mas não separes o Não do Sim.
Dá à tua sentença igualmente o sentido:
dá-lhe a sombra.

Dá-lhe sombra bastante,
dá-lhe tanta
quanta exista à tua volta repartida entre
a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite.

Olha em redor:
como tudo revive à tua volta! —
Pela morte! Revive!
Fala verdade quem diz sombra.

Mas agora reduz o lugar onde te encontras:
Para onde agora, oh despido de sombra, para onde?

Sobe. Tateia no ar.
Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecível, subtil!
Mais sutil: um fio,
por onde a estrela quer descer:
para embaixo nadar, embaixo,
onde pode ver-se a cintilar: na ondulação
das palavras errantes.

Paul Celan, in "De Limiar em Limiar"
Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

da série DIÁRIO DE VIAGEM - BIENAL DE SÃO PAULO 2008


meu deus do brazil moderno, que será isso? uma escada?
um armário? uma figura geométrica? uma metáfora?


bem, deixa pra lá, a maria luiza mendonça me fez lembrar 
que as metárofas nunca são inocentes


o itinerário da arte deve passar em algum momento por uma boa mesa

ney ferraz paiva

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Os três melhores livros de 2009
segundo André Queiroz

a leitura, não qualquer leitura, nem qualquer livro, o livro - relevos da paisagem que se vai contemplando (prefiguração), essa mesma paisagem que será alterada, cortada, penetrada. por vezes, túneis são construídos em meio ao desfiladeiro. noites de trabalho duro. escavações. uma usina imaginária. camadas sobre camadas de pedra. é disso que trata esta listagem nada contábil, competitiva, obrigatória. quem a envia sabe que leitura é engenharia, construção - pensamento.

1) "Para Sempre", Vergílio Ferreira




Trata-se do homem que regressa ao lugar da infância quando já da sua morte próxima. Vergílio Ferreira faz intercalar os tempos narrativos de forma belíssima - como se a caça do tempo perdido nos tomasse de assalto no tanto que do tempo que nos retorna. Forma também de investigar a finitude, a solidão ontológica inscrita no homem. Eduardo Lourenço diz de forma pontual do romance de Vergílio Ferreira: quando o romance começa tudo já se encerrou, todos estão já mortos...

2) "Os Afogados e os sobreviventes", Primo Levi


Outro dos livros do memorialismo de Primo Levi acerca da experiência do Lager (os campos de concentração nazista). Primo Levi - para além de apenas narrar o que se deu, o que se experienciou - busca refletir sobre a própria experiência do contar, o valor do testemunho. E será ele quem dirá que, no caso do Lager, aquele que testemunha o faz porque não chegou ao fundo do acontecimento, que não comporta a palavra. Questão então será: o testemunho é necessariamente dos que não viveram ao fundo o acontecimento, ou noutros termos, o testemunho é d'algum modo e sempre uma impostura por trazer consigo o feito que não lhe é delegado pelos que não voltaram para dizer de si o que seria de se dizer.

3) Trilogia autobiográfica de Elias Canetti - 1) A Língua absolvida; 2) Uma Luz em meu ouvido; 3) O Jogo dos olhos



Belíssimo depoimento de Elias Canetti desde a infância remota aos anos de sua maturidade. E imensamente bela é a descrição dos afetos os mais diversos que se lhe servem à construção daquele que ele é. A morte do pai ainda à primeira infância. Canetti dirá que o desaparecimento do pai lhe custou a imortalidade na forma daquele assalto - a forma abrupta do colapso. O corpo do pai morto pela manhã, ao escritório. E então será o horror o que se experimenta. Toda forma, criança que se era, se brinca como quem distrai em si a perda. E será a mãe à janela

quem lhe dirá as palavras que lhe custarão os anos de sua vida à memória: "Elias, tu aí a brincar, a brincar, a brincar, e teu pai morto, e tu a brincar, a brincar". Para além desta narrativa, toda as andanças da família, os países cruzados: Bulgária, Inglaterra, Áustria. As relações literárias: Musil, Hermann Broch, Veza, entre outros.



André Queiroz é filósofo, escritor, ensaísta e professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de "O sonho de nunca”, “Outros nomes, sopro”, “Em direção a Ingmar Bergaman” e do inédito “Patchwork”.
Com o livro “O Sonho de nunca”, ganhou o prêmio de melhor romance do ano da Academia Paraense de Letras. O livro “Outros nomes, sopro” foi indicado pela crítica literária no Jornal “O Rascunho”, de Curitiba, como um dos melhores livros de ficção publicados no Brasil no período de 2000 a 2005. Licenciado e mestre em Filosofia (Uerj e Puc/Rio, respectivamente), é doutor em Psicologia Clínica pela Puc/SP e professor adjunto da UFF (Departamento de Estudos Culturais e Mídia), atuando no Instituto de Artes e Comunicação Social e no Programa de Pós-graduação em Comunicação.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009


a cisterna contém: a fonte transborda

de tudo retiro água

pra fazer funcionar o poema

mesmo da estátua enferrujada

de william blake dentro de um livro

se nada posso tocar na colheita

transgrido: roubo desfruto rapto

sem que nada aprenda & nada ensine

apenas espero veneno da água parada




anti-receita

rara é o palavro

raso o armadilho

rala é o pálpebro

roto o maravilho




curriculum mortis

fiz-me ao mar amargo da palavra

a morte é um cálice

cheio de silêncio

contamina o que antes fora água –

ferrugem rara sobre a relva

soletra-me seu nome

entre as pedras

o vento irado: espada afiada de dois gumes

ousa badalar os sinos que agonizam

tira dos gonzos a própria terra

consolador das crianças mortas

palavras afogadas no ódio





signé ana c.

toquei minha mão justo na mão de ana
portas nos separam ou nos mudam de lugar?
agora me pergunto se a presença do corpo é mesmo dispensável
não saber estilhaça meus sentidos
giro em torno do vazio feito um cão atrás da cauda
(quando criança costumava encher o rosto de creme
sempre foi de longe a mais vaidosa
musa transviva do amanhecer
depois namoro na praia & na montanha
a dor de pegar o avião & ir embora
a mãe amélia disfarçada em luiza
luz é símbolo da beleza absoluta)
vivo sem saber como vai ser o dia
uma escritora está sempre atrelada a seu personagem
ensaio palavras em francês pra ela ouvir
recados luminosos espalhados pelos quatro cantos do mundo

seleta do livro "não era suicídio sobre a relva"
ney ferraz paiva (2000)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O Ver-o-Peso não dorme tranquilo



Quando a claridade diz, eu sou a escuridão,
disse a verdade.
Heiner Müller

para Evandro Pinto, capitão de breve curso das noites & ruas de Belém

“Adolescendosolar” não é algum neologismo barato, menor, de que se vale um escritor estreante pra compensar sua insegurança ou mesmo sua falta de talento. É só um jeito de corpo que a escrita de Luizan Pinheiro dá pra passar entre, pra atravessar e seguir adiante suas tramas simples, quase sempre chocantes. E esse jeito de ir entre e não de se guiar sempre fascina. De não pedir licença, não se medusar com o outro, com o estabelecido. Luizan Pinheiro vai em frente e não faz rodeios. E não quero dizer com isso que “é direto”, mas que sabe que a maior parte das histórias que conta (tratam-se evidentemente de histórias), dos protagonistas, dos cenários, está à partida condenada ao esquecimento. Mas é isso mesmo. O conto não é algo como uma escrita de jornal? Ele não sobrevive ao próprio cotidiano que aborda, este é sempre maior. Sua estatística, escuridão, pesadelo? Luizan não tem doces ilusões. Sabe que o sonho dura apenas uma noite. Logo é o dia que devora. Logo é a vida e sua comédia desmaquiada: fome, solidão, gravidez, tiro, morte. Eventualmente um João Antônio Ferreira Filho (quem?!), dá o ar da graça. O João Antonio de “Malagueta, Perus e Bacanaço”, livro que, ainda inédito, sobreviveu até mesmo a um incêndio na casa do escritor. Tirado do fogo e das cinzas. No Brasil o grande livro nos chega quase sempre por acaso ou por milagre. Não tem política de incentivo, nem lei que mude isso. Os burocratas do Ministério da Cultura não têm imaginação – eles apenas fantasiam números e organogramas. As zonas inexploradas, Acre, Roraima, Amapá, Amazonas etc., permanecem. Esse enredo é algo velho, mas real e cruel.

Luizan vai por essas distâncias com o pouco que tem às mãos, escreve, dá aulas, paga do próprio bolso a modesta edição do livro – sai, dá um pique, um ziguezague pela cidade: o urbano, o subterrâneo, o deserto escuro em 22 contos ou quadros, por vezes, quase reportagens, crônicas de uma Belém dos anos 1990 ou, quem sabe, de uma Berlim dos anos 1970. O tempo é pendular, já os acontecimentos, os fatos, concretos. Não que Luizan não tente a oposição quando os descreve, pra transformá-los ou traduzi-los em outra forma. Recorre à visualidade, à musicalidade. Esgarça e restringe o ritmo. Amesquinha a personagem. Escrita, grafite, música. A descrição torna-se intensa e vívida. A paisagem, sempre um lance entre o real e o virtual, é quase perceptível e os perigos parecem autênticos. De súbito, se pode revisitar as narrativas de “Crônica de um Amor Louco”, de Charles Bukowski ou de um Heiner Muller, de “História de Amor”. As vozes, as vozes proliferam. Em “Pega leve, minha mão”, um dos contos de Luizan, Marina bem poderia dar outro desfecho pro amor que “vai se gastar” do confundido João P., personagem de Müller. A “garota” que João P. conhece numa estação de Berlim, bem poderia ser Marina. Marina enquadrada nos olhos gulosos de João P. Marina andando de um lado para outro na plataforma. Marina ao lado da banca de jornais, olhando na direção de onde o trem deveria vir. Tem pernas bonitas, a Marina, pensa João P. Marina que permanece enquadrada na sacada pelos olhos gulosos de Patrick. Ele leva vantagem sobre João P. Mora no mesmo condomínio e estuda na mesma escola de Marina. O cabelo dela parece com o da professora de inglês. Patrick sabe. E curte Legião Urbana tanto quanto ela. “Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo ouro que entreguei a quem”... João P. que amava Marina que amava Patrick que amava... Parece por instantes que os três podem viajar dali. Belém-Berlim-Rio de Janeiro. Os acontecimentos, os fatos não parecem tão concretos assim. A escrita de Luizan nos leva a um set de filmagens. A leitura vira cinema que vira escrita e outra coisa que se quiser, tantas as dobras, os fluxos e ângulos. A mesma duplicidade de dia e noite duma novela de Camus. Sol e Lua. Um pouco de cada coisa que vive contamina outras paisagens. Variações e virações. Contextos em decomposição, cidades, gêneros literários. As tramas não são tão simples assim. Há vários e sinuosos patamares de tempo, espaço e personagens. Os meio poderiam ser mais sofisticados – os aplausos da crítica assim exigem. Luizan, num próximo livro, deve alterá-los, mas não apenas por isso. Ele está atento às ondas de mercado, mas também e principalmente às camadas sucessivas, aos movimentos de uma escrita que devora tudo por onde passa.

Luizan não quer diminuir distâncias, quer percorrê-las. Ele avança pelo deserto sem saber o que vai encontrar pelo caminho. Foge o quanto pode do explícito, mas também não busca salvação nas metáforas. Olha ao redor, em busca das dores e dos medos que por vezes fingimos não saber, mas que são inevitáveis. Nas histórias de “Adolescendosolar” (serão mesmo histórias?) Luizan não se coloca como se estivesse de posse de um terrível segredo. Nada que escreve o consome pelo que não pode confessar. Tudo sabemos de antemão. Está em nós, ao nosso lado. Na rua, na praça, na feira. Nalgum lugar. Uma escrita que se mistura aos sons entranhados em nós. Não é um écran mudo, mas um concerto das ruas e das pessoas. Ver-o-Peso. Estrada Nova. Jurunas. Pedreira. Guamá. Beco do relógio ou Gogó da onça. Chuva, pôr-do-sol, letreiros, paredes, pichação. Assim é a cidade em sua inevitabilidade, vulnerabilidade e medo. São estas as imagens, sem simulações e retoques. Com seus focos de violência ou mesmo tornadas por inteiro uma intensa periferia. Não habitamos mais, coabitamos, apequenados, a um só tempo claridade e escuridão. E que tipo de realidade é essa? Qual é o lugar da escrita em meio a isso? Quais as diferenças e semelhanças que se acentuam? Sem dar as respostas, ainda que sempre muito atento (não à mobília, às roupas, aos objetos, senão à vida) Luizan Pinheiro toca por todos nós a flauta de sua coluna vértebra.

Ney Ferraz Paiva
Palmas dezembro 2009

sábado, 12 de dezembro de 2009



imagens pesam mais do que o mar
1.
ela não ri
move-se rapidamente esquiva
de um lado a outro como se fizesse fotos
anda a casa pés trocados olhar confuso
faz uma foto dele (pra o deter de quem?)
fisicamente opostos um ao outro
o mundo vira de ponta-cabeça
a noite cai silenciosa sobre eles


2.
ele a olha com uma expressão vazia
voz baixa falando devagar
diz que tem um problema enorme
que precisa urgentemente viajar
(o mar, o fogo, a raposa...)
“ou quem sabe de um bom xampu anticaspa”
ele sempre diz isso pra fazer as pessoas rirem
ela não ri


3.
ele pergunta “por que você não sorri?”
desde pequena não sabe rir dos pequenos dramas
não sabe rir se alguém está sofrendo
perto dela – por causa dela
pra ela o inferno é isso
ele pouco sabe a respeito
nunca prestou muita atenção
ela faz mais uma foto dele
espera detê-lo a seu próprio enigma


ney ferraz paiva juazeiro 19.11.2009
imagem circlegal

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

wittgenstein: um perfil


Eu disse a ele [Ludwig Wittgenstein]… que imaginá-lo como professor de escola primária, com sua mente treinada para a filosofia, era para mim como imaginar uma pessoa usando um instrumento de precisão para abrir uma cratera. Ao que Ludwig respondeu com uma comparação que me fez calar: “E você me faz pensar numa pessoa que olha através de uma janela fechada e não consegue explicar para si mesma os estranhos movimentos de um transeunte. Não sabe a tempestade que está caindo lá fora e nem que essa pessoa está tendo de fazer um enorme esforço para manter-se de pé”.
Foi então que entendi o seu estado de espírito.

Hermine Wittgenstein

domingo, 25 de outubro de 2009

Menores



Kant respondeu à menoridade com a maioridade. Para ele, deveríamos seguir nosso próprio entendimento e não ser dirigidos pelos outros. Pensou como conservar a liberdade de religião, de propriedade, Estado laico e autonomia do indivíduo (consumidor e cidadão). Foucault reviu as considerações de Kant pela inovação e as recolocou nos tempos de agora, como maneira de existir livre, fora do alcance dos seguidores. Andando com Nietzsche e Deleuze, pela diferença revoltada, seguir nossa razão é também se assustar com os nossos instintos, perseguir um devir minoritário, o menor como linha de fuga. Diante da sociabilidade universal com base na uniformidade consagrada no Estado laico ou na utopia da sociedade igualitária, Max Stirner contrapôs a associabilidade. Stirner encarou Marx e Hegel e afirmou a possibilidade da vida em associação. Nietzsche, de certa maneira tocado por Stirner, os revirou novamente, e falou de miríades de associações. Nietzsche e Stirner afirmaram diferenças revoltadas, a vida da associação, as amizades sem transcendentalidades, dissolvendo a separação público (amizade pela cidade) e privado (amizade entre assemelhados), a vida dos modelos. A arte de viver ultrapassa a pessoalidade burguesa do artista, a coletividade organizada burguesa ou estatal, e traz existências que abalam normalizações, legislações, regulamentações. A maioridade em uma era de controles com regulamentações, diplomacias, negociações, programas, modulações e convocações à participação não se obtém mais pela razão universal, o aperfeiçoamento moral, o projeto de paz perpétua, o socialismo e a glorificação da democracia. A maioridade agora é a outra menoridade.


Edson Passetti


Imagem: Gerhard Richter

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

















"ou Palmas (nunca fui a Palmas)"

Fiquei meio que sabendo que Caetano Veloso vem a Palmas, que já veio, não sei ao certo (não leio com frequência os “nossos” jornais). Em todo caso, pra quem faz cultura em Palmas fica um tanto quanto estranho saber que vai rolar um show de Caetano na cidade. Mesmo ele (como o título do texto demonstra) estranhou. Nossa realidade cultural nada tem a ver com Caetano. Ele aqui é um anacronismo, não por ele, claro, mas por nós. Pela nossa falta de costume. Pela infinita pobreza musical que nos domina. Pelo que não gostamos de Música, e sim de circo – não sabemos nem queremos saber que ela é uma língua que cria um real que não nos diz respeito, não nos inclui. O real da beleza, da alegria, do pensamento. Caetano vem a uma cidade que gasta o suado dinheiro público movimentando uma “indústria” mambembe de músicos medíocres. É por causa de uma excessiva generosidade verbal que a eles nos referimos como músicos. Quando muito são intérpretes do mau gosto, que nada conseguiriam se tivessem que tocar por uns trocados como fazem os malabaristas de sinal. Aqui, são financiados. Adulados. Faziam e ainda fazem fila na porta do gabinete do presidente da Fundação Cultural. A comentada porta dos sonhos, do "show dos milhões". E dizem por lá que agora a cultura será levada a sério. É brincadeira! Bem faz o artista Costa Andrade em lançar sobre eles “seus” fantasminhas ilegais, singela representação dos que por aqui recebem sem nada fazer. Sempre em "serviço externo" ou numa anababesca viagem pelo mundo, promovem violência, injustiça, atraso. Dizem que Costa Andrade levará um fantasminha a Caetano. Depois são os baianos que não gostam de trabalho...

ney ferraz paiva