Talvez assim se conseguisse perceber as nuances e mesmo as diferenças gritantes entre os livros e suas respectivas leituras. Uma vez que, como os cães, eles não são da mesma raça. E cumprem funções variadas no ambiente de cultura e de saber. Temos, por exemplo, os livros clássicos. Estes obedecem à exigência de um alto padrão de pensamento, cognição e conhecimento. Devem cair na mão das crianças antes que o controle remoto da televisão e do video game comande seus corpos e mentes.
Depois, há os livros modernos, estes para vir sedimentando uma realidade cada vez mais reconhecível, diante da qual se possa ir refletindo e ampliando suas intensidades ao invés de sepultá-las. Vejam que há um jogo de modalidades aqui, mas nunca um exercício aberto de simplificações. A simplificação, executada em larga escala no ambiente da cultura, na escola e mesmo nas faculdades, tornou-se sinônimo de uniformização da mediocridade.
Livros supostamente didáticos, para didáticos e de auto-ajuda funcionam menos do que um regime de linguagem que remeta verdadeiramente a alguma coisa do mundo natural e do pensamento e mais, muito mais como uma escrita de programação, um manual das funções internas da vida que apontam para um mesmo e único sentido. Palavras de ordem. Máquinas e não livros. E ter essas máquinas na escola torna ainda mais eficiente o rígido sistema de controle e da idiotização das massas.
Por isso mesmo que a leitura deixou de fazer parte de uma experiência intelectual para tornar-se lazer e diversão. Uma ocupação menor a que a mídia, o sistema escolar e os governos insistem em empobrecer ainda mais, a ponto de o livro hoje preencher apenas duas funções na socieade: oprimir o leitor e envergonhar o escritor.
Agora estamos mobilizando um amplo aparato psicanalítico a fim de discutir este imenso mal. Uma empreitada que infelizmente não sabemos se resultará plena de consequências. A conferência setorial do livro leitura e literatura reunirá no mês que vem, em Brasília, escritores, livreiros, editores, contadores de história de todo Brasil. Ela consiste em acreditar que, no interior do problema, encontraremos uma lógica salvadora. É possível, é possível. Pena não ter um animal de estimação para enviar no meu lugar. Seria mais garantido. O artista belga Francis Alys mandou um pavão vivo para a Bienal de Veneza. Na impossibilidade de um pavão, será que serve um papagaio? Sempre considerei o papagaio menos passivo do que muitos escritores.
Ney Ferraz Paiva
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