o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

chove sobre a cidade neste primeiro dia do ano] será um primeiro dia do ano em que nos perdemos num silêncio a que exploramos sem saber, como no dizer de Elias Canetti para quem os exploradores jamais regressam dos mapas obscuros em que adentram. A chuva a cidade o silêncio perfazem uma cartografia abismal de um livro, de um poema que já nem sei mais. Este ano será tempo de poesia? De galerias abertas e bibliotecas que não fecham nos fins de semana, nem feriados? Para que aqueles que não leem, ainda que saibam, voltem a ler? Voltem às livrarias, senão para comprar, pelo menos para "namorar" os últimos e recém chegados livros nas estantes? Ah, aquele cheiro de novo... Não queria perguntar, não queria, acreditem. Sei que ainda há festa e alegria no coração de todos. Mesmo que a chuva nos feche numa cidade onde nos equilibramos sobre o vazio do mundo. Que ano será este? Que cidade? Seguiremos solitários e erráticos, separados, excluídos e amesquinhados em sonhos que se vende, mas que não se cumprem? Se o poder e os políticos têm seus mundos paralelos – cessarão de empobrecer, controlar e aviltar o único que temos? O pouco que nos resta? A cidade que escolhemos para viver e criar nossos filhos? Pela retórica ficcional declinada pelos Espectros da Morte em suas mensagens de fim de ano, o abismo nos espera. À espera da queda, desse outro desabamento (que não aquele agorinha noticiado de Angra dos Reis e que vai virando rotina), o primeiro dia do ano nos empareda sob a chuva e suas imagens monótonas, suas elipses desmotivadoras, a implacável indolência. Mas não fiquemos à espera. É preciso que, sob esta chuva, espremidos em algum canto da casa, em algum lugar da cidade, se possa de repente tocar o inalcançável. Não é possível que uma cidade inteira aceite terminar-iniciar o ano como a abobalhada plateia frente ao palco a regurgitar a mediocridade, a despeito de estar feliz. Que cidade é essa? O que quer terminar? O que começará? Pensa celebrar o novo e está atada indelevelmente ao ruim, aos desarranjos todos. Celebra e protagoniza, ritualmente, os contornos de sua própria indigência moral, social e intelectual. À espera que as coisas desabem. Os espectros anunciam, inventam uma história fatal, e todos a encenam na realidade. Não celebram o novo, mais desaparecimentos e ausências. Perdas. Recuos. O jeitinho. O improviso. O precário. O caos. A cidade às escuras. Buracos. Lixo. Desemprego. Postos médicos sem médicos; doentes sem remédios e leitos. Ensino público cada vez pior. Que não reprova para ficar "bem" na estatística e garantir mais recurso. Ensino que vende a qualquer preço qualquer diploma. “Pagou-passou”. Só o pior não passa nesse passe de mágica a que nos habituamos. O pior, o pior, o pior. O pior que só pode melhorar se quisermos. Já que os políticos não querem. Se nem mais sabem que ser político, fazer política é antes de mais nada cuidar da cidade. Cuidar do outro que mais necessita para que o outro se torne todos. A polis, a cidade, aniquilada, celebrando o show da miséria. Que vota em ladrões de túmulos, uma vez que a mão do político mata sonhos, esperanças e desejos há demasiados anos, não apenas no que passou ou neste que inicia – inicia? Terá terminado algum ciclo? Mudamos nós, senão o destino, ao menos a rotina? Querem fazer acreditar que o ano inicia. Sim, o calendário se alterou, mas os males e as dores prosseguem, se expandem pela cidade. Agora mesmo há um campinho de futebol na 1306 sul, vulgo “Portelinha”, em que meninos enlameados “começam” a explorar os abismos da infância em que sempre perdem. Isso ou a casa popular que o avilta. Ou o ônibus que não passa. O esgoto que escorre solto em meio à rua. E ontem, indagorinha era o show da virada na praia da Graciosa. Mas que graça tem isso? se nada se fará para mudar a cidade em que a miséria se expande – “cresce” a cidade, não é? E nela cada vez mais se oculta o sujeito, “o obscuro irmão gêmeo de um homem”, nas palavras de Faulkner. Cresce a cidade e a indiferença solta seus fogos de artifício!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


[Certas coisas você deve ser sempre incapaz de aguentar. Certas coisas você nunca deve parar de se negar a aguentar. Injustiça e afronta e desonra e vergonha. Não importa se você é muito jovem ou se está muito velho. Nem por prestígio nem por dinheiro: nem por seu retrato no jornal nem pela conta no banco. Simplesmente se negue a aguentá-las. William Faulkner]

Ney Ferraz Paiva
Palmas 01.01.2010

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