MORRER PARA NÃO SAIR DO INFERNO
Ney Ferraz Paiva
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Sylvia é dessas artistas que não conseguem viver muito tempo. Sua escrita não pulsa, não respira, não é representação das coisas belas do mundo – sem chegar a ser um discurso fúnebre, embora mantenha laços estreitos com a morte. Se você a ler sentirá o embaraço que para ela a vida se tornava a cada dia. Algo que proliferava, sem escolhas e controle. A mulher com todas as contas por acertar. Com o pai, a mãe, o marido, e, principalmente, com ela própria. Poetas assim não esperam pela cegueira – Sylvia enfiou a cabeça no forno e aspirou até o torpor final. Uma encruzilhada. Um emparedamento. Sem ter como fazer interrogações à sorte, muito menos ao azar, simplesmente não faltou ao encontro. Colaborou obsessivamente até o instante fatal. Essa mãe que atravessa o Atlântico para abandonar os filhos na outra margem. Nem mesmo eles a poderiam impedir. Desde sempre a morte rondava, espreitava seus passos. E a morte a encurralou numa manhã de domingo dentro de casa. Mas é preciso que se diga e eu mesmo me corrija: a poeta sucumbiu ante o confronto encarniçado com a poesia. Escrevia com fúria, num ato crescente, que se distendeu e revelou, nos dias derradeiros, toda potência do mal. Sylvia chegara lá. No instante em que não era aguardada por ninguém. Eis como o cotidiano funcionava para ela, sem disfarces e reviravoltas surpreendentes. Aos trinta anos de idade tudo seguia de acordo com o que iria acontecer pouco depois. Não teve como escapar à loucura. O medo a empurrou para dentro de um mundo inabitável, composto de aves, abelhas, estações gélidas. Sylvia não quis, não soube negociar com a hiper lucidez que a tudo quer decifrar, mesmo quando nada mais resta sob a redoma. Resolveu não movimentar mais o tradicional mercado da mulher bonita, bem- sucedida e feliz. E a rotina de suas inúmeras farsas. Enfiou a cabeça no forno. Aspirou o gás. A velha cozinha mal-adaptada às necessidades do corpo.
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