por Pedro Correia |
Na noite de 10 de Fevereiro de 1963, num dos invernos mais frios de que há memória no Reino Unido, uma americana bonita e talentosa, de 30 anos, deitou a filha de três anos incompletos e o filho com apenas 13 meses nas respectivas camas. Na cozinha, preparou-lhes copos de leite e um prato com biscoitos que lhes deixou no quarto quando ambos já dormiam. Depois voltou para a cozinha, fechou a porta, acendeu o fogão a gás e meteu a cabeça envolta numa toalha dentro do forno. Era Sylvia Plath, uma das melhores escritoras de sempre em língua inglesa, autora de poemas decorados por sucessivas gerações de leitores que a idolatram. Tinha aquilo a que hoje chamamos uma personalidade bipolar: alternava sem transição os momentos de intensa euforia com os mais dilacerantes estados de depressão. No ano anterior, logo após ter dado à luz o filho Nicholas, descobrira que o marido, Ted – um escritor quase tão talentoso como ela –, a enganava com a alemã Assia Wevill, mulher de um poeta amigo do casal. Há quem garanta que jamais se recompôs do choque.
O bebê que dormia inocentemente naquele quarto de uma casa vitoriana em Primrose Hill, com um copo de leite e um prato de biscoitos na mesa de cabeceira, era Nicholas Hughes – o circunspecto e reservado filho de Sylvia que se tornou biólogo marinho e um dia decidiu viver nos confins do Alasca, em comunhão com a natureza. Cansou-se de viver numa segunda-feira, 16 de Março de 2009: como se cumprisse um desígnio do destino, enforcou-se num aposento da casa onde vivia. Dir-se-ia que o fantasma da mãe jamais o abandonara desde aquela noite invernosa, uma das mais frias de que há registo no Reino Unido.
Há famílias tocadas pelo sopro da tragédia. Ted Hughes, o pai de Nicholas, bem poderia dizê-lo: passou a viver com Assia pouco após a morte de Sylvia, mas a 23 de Março de 1969 a segunda mulher seguiu os passos da primeira, suicidando-se também com gás. Com a diferença de que não partiu só: minutos antes, matara a própria filha, Shura Hughes, de quatro anos.
Pouco antes de morrer de cancro em 1998, aos 68 anos, Ted escreveu uma longa carta a Nicholas – que nunca casou nem teve filhos – em que mencionava as profundas feridas que o suicídio de Sylvia Plath deixara na família: “Em 1963, sofreste um golpe ainda mais duro do que eu sofri. Terás de lidar para sempre com isso, tal como aconteceu comigo.”
Só quando Nicholas e a irmã mais velha, Frieda, já eram adolescentes Ted Hughes decidiu enfim revelar-lhes como haviam perdido a mãe. Há quem considere que o suicídio constitui um acto de suprema liberdade. Mas nunca saberemos até que ponto existe uma predisposição genética para um tal desfecho, o que invalidaria por completo tal raciocínio: como escrevia há dias Christina Patterson no Independent, “o suicídio é um acto violento que ressoa através de gerações.” Tal como nunca saberemos o que verdadeiramente levou Nicholas a seguir as pisadas da mãe 46 anos depois, no inverno do Alasca. Talvez nos derradeiros instantes pensasse nestes versos de Sylvia Plath: “Dying / is an art, like everything else. / I do it exceptionally well.”
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