o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

‎3 poemas: ALBERTO DA CUNHA MELO
– mirando o mar e altas distâncias
numa luneta de escoteiro –

POEMAS


Moro tão longe, que as serpentes
morrem no meio do caminho.
Moro bem longe: quem me alcança
para sempre me alcançará.
Não há estradas coletivas
com seus vetores, suas setas
indicando o lugar perdido
onde meu sonho se instalou.
Há tão somente o mesmo túnel
de brasas que antes percorri,
e que à medida que avançava
foi-se fechando atrás de mim.
É preciso ser companheiro
do Tempo e mergulhar na Terra,
e segurar a minha mão
e não ter medo de perder.
Nada será fácil: as escadas
não serão o fim da viagem:
mas darão o duro direito
de, subindo-as, permanecermos.


(Poetas da Rua do Imperador, 1986)


DESCOBERTAS


A floresta tem
todos os bichos,
todas as madeiras,
todas as borboletas,
rios gordos, rios magros,
igarapés
e índios tão santos
que não querem o céu;
tudo tem a floresta,
mas penso no teu corpo
e sua mata diminuta,
que uma só borboleta
poderia cobrir.


(Clau, 1992)


CASA VAZIA


Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,


para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,


uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,
ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.


(Meditação sob os Lajedos, 2002)
imagem: Nicholas Hughes

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