o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011



3 POEMAS: CAUBY CRUZ


OS ELEMNTOS DO VERBO


Quando digo água quero que entendas fogo
a palavra se estende e deflora
um novo entendimento uma nova
forma insuspeitada mas viva além
de viva constantemente transformada.

Dependo não só dela porém da aceitação
em ti: o céu é inferno e mais que inferno
é este termo amar com que labuto
o meu pretérito alcança meu avô
que morto mas firme em mim, galopando.
E através dele vou, através de seus pastos
e porquê digo pastos entenderás que é noite
e o ar me amansa diante de seus passos.

O que falo importa se alcançar a tua carne
pois flutuar não serve. E é mister que invadas
e descubras porquê foi que hesitei
e hesites comigo, sofras a mesma fome
a mesma água engulas, igual peixe
adores e meus cabelos te cubram.

Então, a primavera que invento poderá
ser tua e teu este mistério este cão
que à noite ladra coisas inteligíveis
e o galo , cujo canto acordará teu homem.


CONSIDERAÇÕES SOBRE UM RETRATO

Não sabemos quem foi
porém seus passos audíveis
surpreendem os estrangeiros
como eu, à tarde
no silêncio morto dos quartos.
Decerto, traria consigo
o látego para o escravo
porque severo foi: pode-se ver
no estilo das cartas violadas
na escrivaninha, por lembranças
que meu pai guardava de outros tempos
pelo quarto de correntes do pátio.
Olha da parede o seu retrato
porém esmaecido cores cinza-escuro
emergindo os olhos frios
mas sensíveis à dor
como no parto. A barba
em ponta o faz severo
e, todavia, marca seu rosto
de beleza triste, beleza
inda constante no tempo das máquinas.
Tudo foi seu. Até a cadeira
onde sento e seus os livros
das estantes. Conhecemos seu gosto
sua memória embora parcial
mostrada apenas do lado direito.
Certo, conheço agora amores seus furtivos
e o que salta do muro de suas cartas
enche sua vida e a minha de poesia.


DONATÁRIO

Donatário de terra imersa
procuro meus campos
meu boi que esqueci anos
mergulhado no mesmo gesto invicto
de mastigar, meu cão também
como também meus sapatos.

A terra desapareceu. Aqui ela ficava.
Rio de pedras várias cortava o terreno
mas eu não via as pedras. Amava a posse
de tudo, donatário que fui deste terreno.
Hoje, chão de peixes


CAUBY CRUZ, nasceu em Belém em 1928, contemporâneo
de Mario Faustino, Max Martins e Benedito Nunes.
Autor de Os Elementos do Verbo (1955).


Nenhum comentário:

Postar um comentário