Se Benjamin ensinasse em São Paulo...
Em setembro de 1935, Erich Auerbach escreveu a Walter Benjamin dizendo saber que a Universidade de São Paulo ''estava procurando um professor para ensinar literatura alemã em São Paulo; logo pensei no senhor...''. Auerbach mandou o endereço ''para as instâncias competentes'', mas relata que ''a coisa não deu em nada...''. Por culpa de ''alguma instância incompetente'' - comenta Michael Löwy - a USP perdeu a oportunidade de incluir Benjamin no seu corpo docente. Perdeu-se talvez a oportunidade de ter salvado a vida de Benjamin.
A observação faz parte da apresentação à edição brasileira feita por Löwy, que sugere que algum escritor brasileiro poderia criar um conto com história imaginária de Benjamin no Brasil: ''sua chegada a Santos, em 1934, onde teria sido recebido por alguns colegas da USP de sensibilidade progressista; suas primeiras impressões sobre o país e sobre São Paulo; seu difícil aprendizado da língua portuguesa; sua tentativa de ler Machado de Assis na língua original, com o intuito de uma interpretação materialista; sua prisão pelo DOPS em 1935, denunciado como agente do comunismo internacional; seu interrogatório policial, na presença de um representante da Embaixada Alemã; seu encarceramento em um navio-prisão, onde encontra e se torna amigo de Graciliano Ramos; as notas que toma num caderno, tendo em vista um ensaio comparando Graciliano com Brecht; e sua angústia, enquanto espera que o liberem ou que o deportem para a Alemanha...''
Nada melhor para inaugurar a coleção Marxismo e Literatura, coordenada por Leandro Konder. Nele, Löwy retoma uma de suas temáticas preferidas - romantismo, messianismo e marxismo -, a propósito de um dos textos mais densos, enigmáticos e citados - ''Sobre o conceito de história'', de Walter Benjamin. Em sua leitura, Löwy o caracteriza como ''um crítico revolucionário da filosofia do progresso, um adversário marxista do 'progressismo', um nostálgico do passado que sonha com o futuro, um romântico partidário do materialismo''. As teses de Benjamin se apóiam em três fontes distintas: o romantismo alemão, o messianismo judaico e o marxismo. Fundado nesse arsenal, ele ataca, simultaneamente, o stalinismo e a social-democracia, por seus aspectos comuns de determinismo, de economicismo, de crença no 'progresso' comandando a história.
Löwy analisa as 18 teses de Benjamin que, segundo ele, não se constituem em um desvio mas, ao contrário, em crítica das grandes vias predeterminadas, que nos reapresenta a história como um ''destino desconhecido''. Este ''manifesto filosófico'' convoca para a abertura da história, considerando as condições objetivas como ''condições de possibilidade'' e não como destino implacável.
Benjamin busca libertar o marxismo do conformismo burocrático que o ameaça, mediante uma relação seletiva com esse pensamento, que rejeita as leituras positivas/evolucionistas. Sua obra se insere no que Löwy chama de ''tensões irresolutas entre um certo fascínio pelo modelo científico-natural e uma conduta dialética-crítica'' que afeta o marxismo. Uma leitura seletiva, mas que reivindica o que considera essencial no pensamento de Marx: o Estado como dominação de classe, a revolução social, a utopia de uma sociedade sem classes. Seu trabalho teórico se constitui em uma reelaboração crítica do marxismo, com fragmentos messiânicos, românticos, blanquistas, libertários e fourieristas, que só poderia suscitar perplexidade.
A tal ponto, que o presente e o futuro permanecem abertos na visão de Benjamin, assim como o passado, no sentido de que a variante histórica que triunfou não era a única. É uma abertura da história inseparável de uma opção ética, social e política pelas vítimas da opressão e pelos que a combatem - conclui Löwy.
Emir Sader (publicado originariamente Jornal do Brasil 03-12-2005)
imagem: Willian Kentridge
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