o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sábado, 23 de abril de 2011


SONHEI
por Radovan Ivsic

1.
Só, completamente só, caminho sobre uma nuvem. Minhas pernas são acariciadas por uma relva tão transparente que não a vejo. Estou maravilhado pelo silêncio. Tomo um pouco d’água escura e transformo a nuvem numa jovem que amo loucamente até a minha morte, na solidão.

2.
Estamos sentados na beira de um rio, ela e eu. Ela me fala, e o murmúrio de suas palavras torna-se uma nuvem de cerejas que se pousa sobre meus cílios. Respiro calmamente e penetro nas imagens que ela teria desejado esconder de mim. Ela ri, depois pega uma montanha e a pousa sobre meus lábios, entre nossos beijos.

3.
Viro-me, vejo o mar de uma cor indeterminada e três conchas vermelhas. De um cipreste sai um cervo. De seu olhar tranquilo brotam avencas numa angra. Ajoelho-me para colher um pouco da relva escondida entre os seixos. Espero o cervo adormecer. Quando o vejo chorar lágrima após lágrima, cravo-lhe a relva entre os galhos. Uma jovem azul sai-lhe da cabeça e por inteiro tremo com os beijos nus que ela deposita sobre minhas pálpebras. Com um supremo esforço, abro os olhos para quebrar o segredo, mas uma lâmina de onda negra o arrebata e choro toda noite no vento, frio.

4.
Esta floresta é clara como seda. Um esquilo branco flui caudaloso nas ramagens e me traz a primavera desvairada. Pergunto-me se é preciso esperar até que o amor ecloda o galho morto da esperança ou se não seria preferível partir em direção à praia, entrar furtivamente na água e nadar amplamente até o alto mar, tão novo. Gostaria de andar, mas sinto que não tenho mais pernas. Tornei-me uma árvore e tenho folhas. Estou a ponto de brotar e rio, mas não é mais um riso, é o murmúrio ameaçador da minha nova folhagem. Deveria me preparar para o amor mas torno a me fechar e nado em direção ao sono.

5.
As cores me circulam e me sublevam. O que vejo então não é mais nem uma árvore, nem uma montanha, nem um camaleão, nem um arco-íris, nem o dia. De todos os lados, as flores nascentes me fixam, vêm e desaparecem por trás de minhas pálpebras, por trás de minha obscuridade. Banho-me com as algas nuas, e uma só vaga poderia fazer cintilar o pesado anel da tranquilidade. O silêncio se espalha como uma onda em torno da pedra caída num lago imóvel, largo, onde nem mesmo o eco pode salvar o passado. Em meu olho alguma coisa se mexe como o jogo jocoso dos seixos da torrente e depois há a árvore como uma sombra que eu gostaria de visitar mas permaneço petrificado. Parece-me que não posso me mexer senão à maneira do girassol, seguindo o sol.



Radovan Ivsic
tradução: Éclair Antonio Almeida Filho
imagem: Ney Ferraz Paiva

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