à procura de uma linguagem inabitável louca desgarrada é ela que traz água aos moinhos
o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)
terça-feira, 3 de outubro de 2017
segunda-feira, 3 de abril de 2017
Contrariedades
Eu
hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem
posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível!
Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me
a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta
depravação nos usos, nos costumes!
Amo,
insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me
à secretária. Ali defronte mora
Uma
infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre
de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre
esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão
lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando
sempre! E deve conta à botica!
Mal ganha para sopas...
O
obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora
sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por
causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que
mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No
fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais
uma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A
crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na.
Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos
papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.
Com
raras exceções, merece-me o epigrama.
Deu
meia-noite; e a paz pela calçada abaixo,
Um
sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu
nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas
sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente!
Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam
que o assinante ingenuo os abandone,
Se
forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte?
Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um
prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém
dinheiro, arranja a sua "coterie";
E a
mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A
adulação repugna aos sentimento finos;
Eu
raramente falo aos nossos literatos,
E
apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...
E a
tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora
que a asfixia a combustão das brasas,
Não
foge do estendal que lhe umedece as casas,
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se
a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se;
e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a
cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente.
Vou findar sem azedume.
Quem
sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei
reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas
letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se
a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague",
E
esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E
estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A
pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe
a luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!
Cesário Verde
Guilherme Ginane, 6 cigarros, 2016. Óleo sobre tela. 120
x 100 cm
quarta-feira, 29 de março de 2017
Poesia como trilha
sonora para um filme
Edição de 2003, pela editora Francis.
|
eu fui artista de teatro, conhece teatro?, pois é, eu fui um artista,
um ator…
Harmada, João Gilberto Noll
Harmada, João Gilberto Noll
Gosto de Harmada (Francis, 1993) do escritor João Gilberto Noll. Da
chuva caindo, da chuva que acreditamos ter caído na véspera, torrencial,
evanescente, devastadora, fatal. “Aproveitar a terra que virou lama depois do
temporal”, diz o personagem, misturado à terra, à água, à lama, ao
matagal, enrodilhado em volta de um tronco, a um passo de virar um animal. A
experiência de ser arrancado, expelido, dissolvido de si. Tomado pelo escuro da
terra. O assombro e o prazer da noite, vento, bruma, o que mais? Uma misteriosa
escrita ativada por lâminas de imagens em ziguezagues, blocos desviantes,
passagens planas fatiadas. Como resgatar um animal da água? Opera-se o
desmembramento dos fatos, registros, acontecimentos. Aquele que teria sido
ator — teria sido apenas o que representava de si a cronologia amesquinhada de
a cada movimento recorrer à datas e horas e fotos nas paredes? Ou aquele ator
entraria no roteiro aleatoriamente? O fluxo das imagens multiplicado ao ritmo
tenso, como se auxiliado por um disparador automático, formando um mosaico.
Seria isto uma escrita encenada — fotografada par a par com a narrativa? João
Gilberto Noll gera em Harmada um campo magnético capaz de interagir
com qualquer outra linguagem também magnetizada, num estado próximo à intimidade
e à dispersão. Neste país ou cidade — Harmada — há mentiras, segredos e farsas;
todos os sinais de vida sugados para fora das janelas, dispersando a todos. A
cidade atrai e repele. Não é uma estrutura apenas para harmonizar paisagens,
construções e indivíduos de acordo com as leis do acaso e da sorte. Sabe-se
para onde ir, mas não se tem exatamente a certeza de onde se pode chegar. E
tudo que não se viabiliza nesse transcurso é a elaboração de mapas. Antes a
fadiga, o adormecer:
“e o sono sobrevinha a tudo, e a vigília agora não era mais do que
águas passadas”.
Aquele ator trancafiado no asilo, albergado, retirado de circulação.
Para ele não há caminho mais curto entre dois pontos. Direções interrompidas.
Sônia, Amanda e Cris impregnadas no pequeno quarto de hotel; o terreiro de
galos de rinha; o escritório de representação comercial, e aí Jane, o
casamento, os filhos a que esse ator e homem de entrecortantes palavras não
pode ter… As intempéries que conhecera até ali.
“Eu era aquele homem no espelho, eu era quase um outro, alguém que eu
não tivera a chance de conhecer”.
Aquele ator estagnado sob inúmeros aspectos. Alguns pequenos extras
constituem a expressão máxima do caminho tomado por ele. Aquele ator, um
canastrão… Por um lado, os tipos típicos de atuações que permaneceram
inalteradas — paradas no tempo do herói cercado por fantasmas à espera de uma
saída que nunca veio. Por outro lado, se ligarmos falas e pontas, teremos
talvez um plano ousado de atuação de um norte que há muito não é visitado:
“eu era então tomado por um desprezo absoluto pelo sofredor”, “eu sou
um homem mau”, “há de tudo sobre a Terra, inclusive eu”.
Falas de um personagem associado ao misererere nobis de um
teatro de racionamento e impossibilidades as mais diversas. Um prisioneiro de
circunstâncias. Aquele ator é o próprio teatro. Quase sempre como o circo,
o mais pé-rapado dos mambembes. O que tem a ver com a forma que a cultura trata
o artista. E o que pode ser a arte. Nesse ponto fugidio do livro até mesmo os
cães se tornam memorialistas e recordam se poderia ter ocorrido a evolução a
que o autor recorreria para resgatar as linhas tortuosas de sua escrita, e como
reorganizar isto com um personagem à beira do desastre? Com a ruptura entre
fato e ficção? De volta a Harmada, chegaria a hora e a vez de acertar do
personagem? Ele e uma Cris reencontrada. Seria, então, ela o incomparável que
lhe acontecera? Seria? Ou bem ao contrário, ela o paradoxo, a contradição? Cris
juntou a ele a sua voz, nada mais que pudesse conciliar ou limitar os estragos
em que ele está metido.
“eu talvez esteja metido em uma espécie de morte, digamos desta
maneira, de morte, mas que é apenas um estado mínimo, extraordinariamente
concentrado, e que mesmo sendo invisível como um grão de poeira no escuro,
atrai, atrai os outros corpos, e nesta atração todos os componentes se chocam e
se atritam tanto, que das fagulhas provenientes destes choques e atritos nascem
outras galáxias que gerarão outras através da sempre mesma atração e repulsa
dos corpos…”.
Com efeito, os caminhos entrechocam-se, precipitam-se, o que nos
tornamos, o que podemos pensar em ser, tamanha é a vontade de viver
rigorosamente o mesmo momento e as mesmas pegadas — como animais em fuga.
…
Harmada, romance de João Gilberto Noll, marcou o retorno do veterano
Maurice Capovilla à direção de filmes. Ele estava afastado desta atividade há
mais de 20 anos. É uma bela incursão sobre a obra de Noll. O ator Paulo César
Peréio ganhou o Candango de melhor ator no Festival de Brasília de 2003. As
filmagens foram feitas em 2002 em Parati, no Rio de Janeiro.
Ney Ferraz Paiva
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
NAVEGANTE SEM NAVEGAGENS
Moro tão longe, que as
serpentes
morrem no meio do caminho
Alberto da Cunha Melo
![]() |
Porto de Belém. |
perdida em seu caminho
como perdi o meu
belém se inicia termina
cidade escassa fortuita
santa & pornográfica
entra nos meus poros
rói minha memória
lambe meus pés sujos
subcutânea necrose
que se diz cidade
que não tem cura
não começa cessa
não dispara sai pela culatra
fossem meus pés serpentes
que voam pra trás numa
viagem ao contrário de
congestionamentos sem fim
esquiva
cerco queda
interditada reduzida em escala
a cidade lembra as ramificações
de uma árvore tombada
ventanias chuvas urubus
a cidade não me cabe expele
sem deixar vestígios
o traço do meu rosto
a cidade me amesquinha
dissipa animaliza
não começa alicia
não termina golfa
nutre meu câncer
navegante à deriva
torna-me motivo de mofa
pés gangrenados asas eclipsadas
enquanto o barulho o barulho
é a boca da cidade
pavoroso movimento de mandíbulas
dores gritos choros
terrificantes tormentos
mesmo se o acaso
entrasse no páreo
a chuva me devorava
beleza luz juventude
enterrado vivo na cidade
povoada de datas passadas
cremadas manhãs
que mais falta acontecer?
sem rumo certo
uma balsa cruza o Guamá
ou corre pelo ar
a céu aberto
navegagens
devastadas
como se a
revólver faca
esquecimento
além do fogo
que mais pode
crescer em
torno do rio?
![]() |
Belém, onde hoje é o bairro da Cremação. |
Ney Ferraz Paiva
domingo, 25 de dezembro de 2016
DAS COISAS QUE SE ATIRAM NOS POLÍTICOS
Esta é a fase do
espetáculo em que o público, não aguentando mais o ator, começa a arremessar
toda sorte de objetos e por vezes, até dejetos em cima dele. Significa que não
há reviravolta possível, nenhum ato de heroísmo nem de pura covardia, nada
resgatará o espetáculo de seu final pífio. O Político, talvez até mais do que o
artista, adora palcos, e também tribunas, palanques, plataformas. Por mais
desagradável que seja o cenário, por mais grotesco que seja o enredo, aí ele
encena o melhor dos mundos. Apenas a alguns centímetros do chão, ele se
acredita numa torre de marfim. Refugiado da carência, fraqueza, impotência
diante da vida. Sobem com ele aí toda burocracia e jurisdição. Juntos falam
melhor do progresso social e econômico que promovem. Dos grandes avanços da
Indústria e do Mercado. Das notáveis contribuições do Partido na grande cidade
que governam. Daí para o resto do país, sobre o palco, anuncia-se a melhor das
escolas, não porque indivíduos mais educados tornam-se mais produtivos, mas
porque o público “sonha” com essa escola. Ela vai bater à sua porta todas as
manhãs e todas as noites que o filho sair para estudar sem saber se ele voltará
vivo. Todos humilhados nesse pesadelo em que também é incerto toda sorte de
direitos: saúde, emprego, comida. Infelizmente o “respeitável” público não tem
como passar sem isso. Daí que todas essas coisas não deixam de ser
implacavelmente anunciadas, recapituladas, de punhos erguidos, como maravilhas
de um mundo iminente, com a condição, é verdade, de serem mais uma vez
repetidas amanhã, como forma de reativar os ânimos e dissuadir os pessimistas.
Vida e bem-estar social só se opõem do ponto de vista dos políticos. Para eles
se está sempre nas etapas antecedentes do desenvolvimento. O melhor dos mundos
nunca é efetivo. Eles sabem trapacear "limpo" - sabem que
imagens turvadas, embaralhadas estão sempre a favor do réu, falam do que
ninguém mais pode tornar preciso - terá sempre um Moro a fazer (este sim) o
serviço sujo. O estado e sua jurisdição volante e violenta! Se crianças
ainda morrem de fome no Norte e Nordeste, se o tráfico de drogas domina cidades
inteiras, se não há médico, remédio, salário, vergonha na cara – eles brandem
tudo isso, porque tudo está prestes a melhorar.... Enquanto nada acontece, eles
se distraem com o grande público. Riem da corrupção, da ineficiência, dos altos
impostos. Pelas mesmas razões estúpidas a que sempre recorrem, conclamam o
público a votar. Tudo a um passo de acontecer. A escola, a saúde, o emprego, a
comida. Só que por um descuido, uma falha na produção do espetáculo, ou talvez
animado pelas pesquisas ou pelas benesses delirantes do cargo que disputa, ou
ainda, por amor ao bom público, um deles desce do palco e, longe dos holofotes,
com passos que se revelam trôpegos, se põe a andar entre as pessoas; e ali, de
súbito, tudo começa a dar errado: a tentativa de proximidade não surte efeito,
os gestos resultam falsos, e todos começam a perceber os signos de um triste
desenlace. Que o enredo é falho, a fala é de um clown e a maquiagem
esconde a face de um ator ruim. O público se depara com um espetáculo que já
deu, se esgotou, saturou a todos. A esse ator só resta fugir, partir pra outra.
É a fase do espetáculo em que o público começa a arremessar toda sorte de
objetos... Ou ouvem-se tiros... Cortina!
Ney Ferraz Paiva
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
Amanhã
passaremos a datar 1990. Entramos na última
dezena
do milênio. Muda a minha noção de tempo?
Sim
e não. A última dezena do milênio soa imperativa
com
um longo rastro histórico que se arrasta em sinuosos
movimentos.
O
meu tempo pessoal é fugaz, desaparece quando tento aflorar-lhe
o
conteúdo.
Minkoswski
introduziu em psicopatologia a noção de espaço
vivido,
juntamente com a noção de tempo vivido.
As
distâncias entre objetos, por exemplo, não são experienciadas
de
maneira constante independentemente das situações
subjetivas.
Minkowski descreve o espaço claro caracterizado
pela
nitidez do contorno dos objetos, pela existência de
espaço
livre entre as coisas.
Noutro
tipo de espaço vivido, o espaço escuro,
não se
trata
de luz física, porém de sensação de se estar encobrido,
apertado,
oprimido por uma obscuridade misteriosa.
Apaga-se
a distância estre os objetos (distância vivida).
O
espaço vital estreita-se sem perspectivas.
Sinto-me
tentada a transpor estas noções de espaço claro
e espaço
escuro aos diversos momentos e lugares da
História.
Acredito que estamos vivendo um momento
que poderíamos
chamar de momento de espaço obscuro.
Giselda
Leirner, domingo, 31 de dezembro de 1989
Imagem: Ney Ferraz Paiva, colagem cobre
fotografia de Giselda Leirner em Toulouse
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
ABOLIÇÃO DA
ESCRIVANINHA
[pra morrer basta estar vivo/ mas eu já havia morrido de estranheza]
Por certo
cabe ainda perguntar: como um livro de poesia pode voltar a ser um
acontecimento? Um romance? Uma peça de teatro? Quando se voltará a ter o
escritor ligado à interioridade, a nós mesmos e à vida? Talvez agora sem a
profusão dos editais e dos Planos e Sistemas de cultura operados pela grande máquina do Estado, algo se nos dará o ofício lento dos livros - abertos fechados rasgados sublinhados sujos de cinza de cigarro, da experimentação de linguagem, pensamento, sensações. Talvez o que precisássemos
para que o conflito, muito mais do que o encontro frugal “literatura livro
leitura”, se distendesse por sobre outros novos territórios e horizontes
possíveis, é que voltássemos a ter tempo – não mais voltar no tempo, não mais
ir arrancar nas distâncias o tempo perdido, mas tão-somente “tempo”. Tempo para
não fazer nada. Escrever/ler/escrever. Repouso e inércia. Que outro ciclo de
desenvolvimento pode abreviar esse? Um tempo para estar sozinho. Hoje trata-se amplamente o
livro como objeto, produto, atração. Mas era preciso pensar o silêncio do
livro muito mais do que seus ecos. A liberdade em torno do livro e sua orfandade.
Quando
Franz Kafka publica os oito contos que irão compor Contemplação, na revista Hyperion (Munique, 1908), está
na companhia de ninguém menos que Rilke, Hofmannsthal e Heinrich Mann. Na companhia, com certeza é uma afirmação que não procede, melhor dizer, órfãos que não se prestaram muita atenção. Mas que se renderam a algo maior que eles. Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Ezra Pound. Outra
trindade dissonante e insólita, posta no mesmo terreno de caça, em Paris, e com graves problemas de adaptação. Tempos de muito engajamento e muita frustração. No mesmo plano, em Belém, Paulo Plínio Abreu, Mário Faustino e Max
Martins, aproximam-se e convivem na estranheza em conjugação com um modelo
de recusas e negações que a escrita estabelece e faz atravessar, cada um a seu
modo. Entre eles transfigurou-se ainda outra personagem dos abismos, o poeta
norte-americano Robert Stock. Todos escreveram enfiados debaixo da terra. Nas trevas e nas grandes aventuras. Todos participaram nisso. Uns com os outros. Uns contra os outros. Com amizade. Com rivalidade. Experimentando e arrastando o assombro do mundo até nós. Como algo que não seja daqui, mas de mais além.
Ney Ferraz Paiva
Imagem: Georgina Goodwin
Imagem: Georgina Goodwin
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
PEDRA NEGRA SOBRE PEDRA BRANCA
Morrerei em Paris num dia de chuva,
um dia do qual já me recordo.
Morrerei em Paris – e não me incomoda –
talvez numa quinta-feira, como hoje, de Outono.
Quinta-feira será, porque hoje, quinta-feira, dia em que escrevo
estes versos, já coloquei os meus ombros
na mala e, nunca como hoje, me voltei,
em todo o meu caminho, a ver-me só.
César Vallejo morreu, todos pegavam nele
sem que ele lhes faça nada;
batiam-lhe forte com um pau duro
e também com uma corda; são testemunhas
os dias de quinta-feira, os ossos dos ombros,
a solidão, a chuva, os caminhos...
um dia do qual já me recordo.
Morrerei em Paris – e não me incomoda –
talvez numa quinta-feira, como hoje, de Outono.
Quinta-feira será, porque hoje, quinta-feira, dia em que escrevo
estes versos, já coloquei os meus ombros
na mala e, nunca como hoje, me voltei,
em todo o meu caminho, a ver-me só.
César Vallejo morreu, todos pegavam nele
sem que ele lhes faça nada;
batiam-lhe forte com um pau duro
e também com uma corda; são testemunhas
os dias de quinta-feira, os ossos dos ombros,
a solidão, a chuva, os caminhos...
César Vallejo
Tradução: Isaac Pereira
Imagem: Duane Michals
terça-feira, 8 de novembro de 2016
25 de novembro de 1976
Caro Vadim Kosovoi,
Sim, recebi teu livro sobre Paul Valéry. Quero
agradecer, dizendo-te o quão fui tocado por teu sinal
de solidariedade. Recebe-o de mim também. Sim, es-
tejamos unidos pelos valores de liberdade, de frater-
nidade, e desejemos que a cultura, sendo intercambi-
ada ajude a nós todos a melhor compreender o que
está em jogo nas palavras e para além delas.
com meus mais cordiais pensamentos.
Maurice Blanchot
CARTAS A VADIM KOZOVOI, Maurice Blanchot, Lumme Editor, 2012
Tradução: Amanda Mendes Casal e Eclair Antonio Almeida Filho
Imagem: ney ferraz paiva
Tradução: Amanda Mendes Casal e Eclair Antonio Almeida Filho
Imagem: ney ferraz paiva
sábado, 5 de novembro de 2016
...
Juventude –
a jusante a maré entrega tudo –
maravilha do vento soprando sobre a maravilha
de estar vivo e capaz de sentir
maravilhas no vento –
amar a ilha, amar o vento, amar o sopro, o rasto –
maravilha de estar ensimesmado
(a maravilha: vivo!)
tragado pelo vento, assinalado
nos pélagos do vento, recomposto
nos pósteros do tempo, assassinado
na pletora do vento –
maravilha de ser capaz,
maravilha de estar a postos,
maravilha de em paz sentir
maravilhas no vento
e apascentar o vento,
encapelado vento –
mar à vista da ilha,
eternidade à vista
do tempo –
o tempo: sempre o sopro
etéreo sobre os pagos, sobre as régias do vento,
do montuoso vento –
e a terna idade amarga – juventude –
êxtase ao vivo, ergue-se o vento lívido,
vento salgado, paz de sentinela
maravilhada à vista
de si mesma nas algas
do tumultuoso vento,
de seus restos na mágoa
do tumulário tempo,
de seu pranto nas águas do mar justo –
maravilha de estar assimilado
pelo vento repleto e pelo mar completo – juventude –
a montante a maré apaga tudo –
...
a jusante a maré entrega tudo –
maravilha do vento soprando sobre a maravilha
de estar vivo e capaz de sentir
maravilhas no vento –
amar a ilha, amar o vento, amar o sopro, o rasto –
maravilha de estar ensimesmado
(a maravilha: vivo!)
tragado pelo vento, assinalado
nos pélagos do vento, recomposto
nos pósteros do tempo, assassinado
na pletora do vento –
maravilha de ser capaz,
maravilha de estar a postos,
maravilha de em paz sentir
maravilhas no vento
e apascentar o vento,
encapelado vento –
mar à vista da ilha,
eternidade à vista
do tempo –
o tempo: sempre o sopro
etéreo sobre os pagos, sobre as régias do vento,
do montuoso vento –
e a terna idade amarga – juventude –
êxtase ao vivo, ergue-se o vento lívido,
vento salgado, paz de sentinela
maravilhada à vista
de si mesma nas algas
do tumultuoso vento,
de seus restos na mágoa
do tumulário tempo,
de seu pranto nas águas do mar justo –
maravilha de estar assimilado
pelo vento repleto e pelo mar completo – juventude –
a montante a maré apaga tudo –
...
Mário Faustino, O Homem e Sua Hora, 1955
Imagem: Ernesto Timor, Limites
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
Minha
mãe enterrada
é
exumada para reprises
[...]
Agora
querem fazer um filme
Para
os incapazes
De
imaginar o corpo
Com
a cabeça no forno.
Os
comedores de amendoim, divertindo-se
Com
a morte de minha mãe, irão para casa...
Talvez
compreendam o filme.
Só
precisarão pressionar 'pause'
Se
quiserem colocar a chaleira no fogo
Enquanto
minha mãe segura sua respiração na tela
Para
terminar de morrer depois do chá.
[...]
Eles
pensam que eu deveria adorar
Eles
pensam
Que
eu deveria lhes dar as palavras de minha mãe
Para
encher a boca de seu monstrengo
Sua
Boneca Sylvia Suicida
Que
vai saber andar, falar
E
morrer quando eles quiserem
Morrer
e morrer de novo
Viver sempre morrendo.
Frieda
Hughes, fragmentos
Imagem: Sylvia Plath, Frieda Hughes ladeda pelo busto do pai Ted Hughes.
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