Orfeu na Coréia
Aqui estou, Orfeu, na terra coreana,
músico condenado sem morte, em busca do atalho
para o subterrâneo, onde minha mulher, coberta
no mofo com esta canção, lacera a mortalha.
Aqui estou, Orfeu, na terra coreana.
Será que posso aqui morrer, onde a morte é forte
feito sol, forçando as muralhas e os olhos esmaga
com unhas e sem o signo das lágrimas revolve
ruínas o solo fundo como raízes centenárias.
Morrer enfim aqui onde a morte é forte.
Estarreçam terras onde cadáver - irmão do homicídio -
após cadáver cai no rio do apodrecimento em labaredas.
E os vivos onde estão? Quem faz guerra ininterrupta
entre pássaros sem bico e mortos e a cidade arrasada?
Vejam terras onde o irmão da caveira é o fuzil no ombro.
De novo aqui estou diante dos portões das trevas e não
há mais flora sob o pé chagoso, nem mais seres vivos
em torno da lira. Nos campos abandonados o sangue será sêmen.
Nuvens - capacetes do firmamento - sossegarão os gemidos
diante dos portões das trevas e não haverá mais aflição.
Será que alguém ao passar encontrará a minha lira
pelo defunto ano, ao longo da lamentação do vento?
Será que o dedo da criança buscará a melodia
e poderá atrair animais, viveiros brancos e sementes?
Será que alguém virá buscar a minha lira?
Eurídice, aqui estás, pois a luz escorre como alma penada
e a gavela dos canos de ferro do teu jazigo
me aguarda e tiro após tiro cumpre o que foi jurado -
que minha canção jamais possa em tua tumba ser ouvida.
Eurídice, recebe a superfície azul de meu olhar estilhaçada.
Enfim agora sei - aí embaixo junto de ti estou chegando
de fossa em fossa pela borda do deserto da Coréia.
Mas para trás não olharei. Aqueles que amam
a terra fitar devem. E tua mão onde está?
Querida, eis-me aqui, para junto de ti descendo.
Miodrag Pávlovitch
Tradução: Aleksandar Jovanovic
Imagens: Ladies" Code
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