o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

SALDO



Entrem amigos       tomem assento entre os meu
 pertences
os quais não me pertencem mais do que a vocês
suas melenas copiosas     não tenho nada para
 brindar
como em outro tempo leite pão velho ou uma ou
 outra
tíbia palavra que roer     como veem 
 as coisas mudaram muito
vocês estão mortos a uns quantos
 calendários
eu tive um pouco mais digamos de destreza
com as doenças dos primeiros anos
mais acreditem   não é nenhuma vantagem
estar ainda do lado dos vivos
gozando de seus escassos privilégios
(estar de novo com vocês 
no portal imaginário da casa onde
 convivíamos 
onde ainda aguardamos o café de cada tarde
não sem certa amargura recente e viva como um 
 morto)
velhos amigos como lamento esta falta de tudo o que lhes
 oferecer
minha ignorância e um pouco de impotência
pelas coisas que ocorrem por aí (falou-se
muito da guerra do genocídio e de certa
 probabilidade
de extermínio parcial ou total da espécie humana
mas falem
como vão vocês sem ninguém     como vão vocês no nada
sem ter que trabalhar para ganhar um osso
quando já não faz falta romper a noite
               com um tremendo uivo





 

Delfín Prats, O Sonho da Insularidade, Lume, 2012
Tradução: Fábio Aristimunho Vargas

2 comentários:

  1. Trago comigo um pedaço de papel de pão onde escrever a chave de entrada, onde decalcar o café, onde desembrulhar um abraço, Ney.

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    1. Grato, Katy, hoje no dia do escritor, divido o poema com você, o afeto, a Amizade. Grande abraço

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