5 de junho de 1977. para manter no esquecimento
Gostaria de escrever tão simplesmente, tão simplesmente, tão simplesmente. Sem que nada nunca chamasse atenção, salvo a sua unicamente, e ainda assim, apagando todos os traços, mesmo os mais inaparentes, os que marcam o tom, ou a pertença a um gênero (a carta, por exemplo, ou o cartão-postal), para que a língua sobretudo permaneça secreta à evidência, como se ela se inventasse a cada passo, e como se pegasse fogo imediatamente, assim que um terceiro colocasse os olhos nela (aliás, quando você vai aceitar que nós próprios queimaremos tudo isso?). É um pouco para “banalizar” o número da tragédia única que prefiro os cartões, antes cem cartões ou reproduções no mesmo envelope, a uma única “verdadeira” carta. Ao escrever “verdadeira” carta, lembrei-me da primeira carta vinda de você, que diria exatamente isto, gostaria de ter respondido imediatamente a ela, mas ao falar de “verdadeiras cartas”, você me impedia de escrevê-las
“Envio-lhe novamente Sócrates e Platão
minha pequena apocalipse de biblioteca. Sonhei novamente com o inglês titubeando em torno do telefone: ele esfregava um lápis novo numa caixa de fósforos e eu tentava impedi-lo. Ele corria o risco de queimar sua barba. Então ele gritou seu nome com um sotaque estranho e
Ainda não me restabeleci desta catástrofe reveladora: Platão atrás de Sócrates. Atrás ele sempre esteve, achava-se, mas não desta maneira. Eu sempre soube, e eles também, eles dois, quero dizer. Que casal. Sócrates vira as costas para platô, que fez com ele escrevesse o que ele próprio queria, fingindo que recebia isto dele. Vende-se aqui esta reprodução como post card,
você viu, com greetings e address. Sócrates escrevendo, você se dá conta, e num cartão-postal. Eu não sei nada além do que diz a lenda a esse respeito (é então tirado de um fortune-telling book, livro de astrologia: o futuro, o livro dos destinados, a sorte, o prêmio, o encontro, a chance, não sei, precisarei ver, mas gosto desta idéia), tive vontade de enviá-lo imediatamente a você, como uma novidade, uma aventura, uma sorte ao mesmo tempo anódina e estonteante, a mais antiga e a última.
Uma espécie de mensagem pessoal, um segredo entre nós, o segredo da reprodução. Eles não compreenderiam nada disso. Assim como tudo a que nos destinamos. E, todavia, é um cartão-postal, dois, três cartões-postais idênticos no mesmo envelope. O essencial, se possível, é que o endereço seja único. O que eu gosto no cartão-postal é que mesmo no envelope, ele é feito para circular como uma carta aberta mas ilegível
Escrevo-lhe amanhã mas chegarei provavelmente, mais uma vez, antes da minha carta
Caso contrário, se eu não chegasse, você sabe o que lhe peço sempre para esquecer, para manter no esquecimento
Jacques Derrida, Cartão-Postal, 1979, tradução Simone Perelson e Ana Valéria Lessa.
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