o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

domingo, 25 de setembro de 2011


5 de junho de 1977. a louca é você...


Você me dá as palavras, você entrega, dispensadas uma a uma, as minhas palavras, voltando-as em direção a você e endereçando-as a você – eu nunca as amei tanto, as mais comuns tendo se tornado muito raras, nem tampouco amei tanto perdê-las, destrui-las com o esquecimento no próprio instante em que você as recebe, e este instante precederia quase tudo, meu envio, eu mesmo, para que elas aconteçam apenas uma vez. Uma única vez, você percebe a loucura para uma palavra? Ou para qualquer traço que seja?

Eros na idade da reprodutibilidade técnica. Você conhece esta velha história da reprodução, com o sonho da língua cifrada. Vontade de escrever uma grande história, uma grande enciclopédia do correio e da cifra, mas de escrevê-la cifrada novamente para despachá-la para você, tomando todas as disposições para que você seja sempre a única a poder decriptá-la para você (a escrevê-la, portanto, e a assiná-la), a reconhecer nela seu nome, o único nome que lhe dei, que você me deixou dar a você, todo este cofre-forte de amor, suponho que minha morte esteja inscrita nele, ou melhor, que meu corpo esteja preso nele com seu nome sobre a pele, e que em todo caso minha sobrevivência ou a sua estejam limitadas à vida – sua.

E como frequentemente sem saber Você me dá a palavra, é mais uma vez você que escreve a história, é você que dita enquanto eu me esforço puxando a língua, letra após letra, sem nunca me virar

aquilo que nunca decidirei é publicar algo que não seja cartões-postais, a falar-lhes. Nada me parecerá alguma vez justificá-lo. Adolescente, quando fazia amor contra a parede, e que me dizia a respeito deles – você sabe, eu lhe contei

O que prefiro no cartão-postal é que não se sabe o que está na frente ou o que está atrás, aqui ou lá, perto ou longe, o Platão ou o Sócrates, frente ou verso. Nem o que mais importa, a imagem ou o texto, e no texto, a mensagem ou a legenda, ou o endereço. Aqui, em meu apocalipse de cartão-postal, há nomes próprios, S. e P. acima da imagem, e a reversibilidade se desencadeia, ela se torna louca, eu lhe havia dito, a louca é você – a ligar. De antemão, você distorce tudo o que lhe digo, você não compreende nada, absolutamente nada ou então tudo, que você imediatamente anula, e eu não posso mais parar de falar.



Jacques Derrida, Cartão-Postal, 1979, tradução Simone Perelson e Ana Valéria Lessa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário