o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

OS ESTUDANTES BRASILEIROS E A LITERATURA UNIVERSAL
A primeira entrevista de Clarice Lispector


Série de reportagens com universitários, no final de outubro de 1941, opinando sobre literatura. A ilustração é de uma garota bonita, com bolsa embaixo do braço, cercada por cinco rapazes e a legenda “Futuros advogados falam sobre literatura”. Lá no final da primeira matéria vem o seguinte trecho:

“Na Faculdade de Direito subimos ao primeiro pavimento do edifício da Rua Moncorvo Filho. Descemos novamente e vemos chegar uma jovem a quem abordamos. Chama-se Clarice Lispector e tem traços da raça eslava. É terceiro-anista e acede prontamente em responder às perguntas do repórter. “Leio de preferência livros, diz Clarice. Quanto à literatura nacional, em minha opinião, temos ótimos escritores, capazes de rivalizar com qualquer outro de qualquer literatura. Sobre a moderna literatura nacional, conheço alguma coisa; mais talvez do que a antiga”.

Pode destacar algum vulto?

Vários, como Graciliano Ramos, que me parece o maior, Rachel de Queiroz, Augusto Frederico Schmidt etc.

Na literatura moderna nacional existe algum escritor que em sua opinião possa se nivelar a Machado de Assis ou Euclydes da Cunha?

Não se pode tomar para comparação um Machado de Assis, tão pessoal na sua obra. Mas em intensidade literária, dentro do seu próprio gênero, há escritores atuais que podem até superá-lo. Aliás, em minha opinião, seria mais fácil superá-lo do que igualá-lo. Machado tinha muita personalidade. Como romancista, ele não é seguro, não obedece a normas; por isso me parece fácil superá-lo, mais que igualá-lo. Euclydes da Cunha não me agrada…

Qual o livro nacional ou estrangeiro que lhe tenha deixado mais impressão?

Esta é uma pergunta difícil… Porque eu sempre passo épocas em que tal ou qual livro me impressiona. Depois o esqueço e outro toma o seu lugar. Às vezes o que me agrada num livro é o “tom”, o plano em que o autor se move. E se em outro livro o autor muda o “tom”, eu perco o interesse. É um estado d’alma.

Acha que a Guerra possa influir sobre a literatura?

Pode. Talvez um certo ceticismo se apodere da literatura do pós-Guerra. Também os motivos humanos ocuparão seu lugar. Mas ao certo não se pode prever.

Qual a sua opinião sobre a “coleção das moças”?

Corresponde a uma necessidade da idade. Há uma fase na vida da moça em que tal literatura é indispensável. Mas apesar de eu já ter sofrido essa necessidade, hoje tenho pena das moças que leem exclusivamente esta literatura.

E sobre literatura infantil?

Monteiro Lobato é sozinho uma literatura neste gênero. Suas obras compõem o que há de melhor a este respeito no Brasil. Além disso, temos Marques Rebelo. Ainda não se pode, todavia, confiar em uma literatura infantil no Brasil.

E sobre a poesia?

Eu nunca procurei a poesia. Gostei sempre mais da prosa. Admiro particularmente Augusto Frederico Schmidt.

Qual o maior poeta nacional em sua opinião?

Eu diria Castro Alves porque sei que é o melhor. Mas não tenho apreciação por condoreiros. Se a pergunta se refere aos que gosto, posso falar de Augusto Frederico Schmidt, com o seu Cântico de Adolescente que muito me impressionou há anos atrás.

Quais os melhores livros da literatura universal, na sua opinião?

Humilhados e ofendidos, Crime e castigo, de Dostoievski, Sem olhos em Gaza, do Huxley, Mediterrâneo, de Panait Istrati e as obras de Anatole France em geral. Mas isto é só do que já li.

Depois a própria Clarice se encarrega de nos apresentar a um colega. Augusto Baêna, quarto-anista e presidente do Centro Cândido Figueiredo da Faculdade de Direito.

(Na foto da reportagem, Clarice aparece com saia xadrez bem miudinho, blusa gola role reta de manga comprida, bolsa tipo carteira embaixo do braço e cabelos em quase coque.)


Diretrizes 71, 30 de outubro de 1941


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