OS ESTUDANTES
BRASILEIROS E A LITERATURA UNIVERSAL
A primeira
entrevista de Clarice Lispector
Série de
reportagens com universitários, no final de outubro de 1941, opinando sobre
literatura. A ilustração é de uma garota bonita, com bolsa embaixo do braço,
cercada por cinco rapazes e a legenda “Futuros advogados falam sobre
literatura”. Lá no final da primeira matéria vem o seguinte trecho:
“Na Faculdade de
Direito subimos ao primeiro pavimento do edifício da Rua Moncorvo Filho.
Descemos novamente e vemos chegar uma jovem a quem abordamos. Chama-se Clarice
Lispector e tem traços da raça eslava. É terceiro-anista e acede prontamente em
responder às perguntas do repórter. “Leio de preferência livros, diz Clarice.
Quanto à literatura nacional, em minha opinião, temos ótimos escritores,
capazes de rivalizar com qualquer outro de qualquer literatura. Sobre a moderna
literatura nacional, conheço alguma coisa; mais talvez do que a antiga”.
Pode destacar algum vulto?
Vários, como
Graciliano Ramos, que me parece o maior, Rachel de Queiroz, Augusto Frederico
Schmidt etc.
Na literatura moderna nacional existe algum
escritor que em sua opinião possa se nivelar a Machado de Assis ou Euclydes da
Cunha?
Não se pode tomar
para comparação um Machado de Assis, tão pessoal na sua obra. Mas em
intensidade literária, dentro do seu próprio gênero, há escritores atuais que
podem até superá-lo. Aliás, em minha opinião, seria mais fácil superá-lo do que
igualá-lo. Machado tinha muita personalidade. Como romancista, ele não é
seguro, não obedece a normas; por isso me parece fácil superá-lo, mais que
igualá-lo. Euclydes da Cunha não me agrada…
Qual o livro nacional ou estrangeiro que
lhe tenha deixado mais impressão?
Esta é uma
pergunta difícil… Porque eu sempre passo épocas em que tal ou qual livro me
impressiona. Depois o esqueço e outro toma o seu lugar. Às vezes o que me
agrada num livro é o “tom”, o plano em que o autor se move. E se em outro livro
o autor muda o “tom”, eu perco o interesse. É um estado d’alma.
Acha que a Guerra possa influir sobre a
literatura?
Pode. Talvez um
certo ceticismo se apodere da literatura do pós-Guerra. Também os motivos humanos
ocuparão seu lugar. Mas ao certo não se pode prever.
Qual a sua opinião sobre a “coleção das
moças”?
Corresponde a uma
necessidade da idade. Há uma fase na vida da moça em que tal literatura é
indispensável. Mas apesar de eu já ter sofrido essa necessidade, hoje tenho
pena das moças que leem exclusivamente esta literatura.
E sobre literatura infantil?
Monteiro Lobato é
sozinho uma literatura neste gênero. Suas obras compõem o que há de melhor a
este respeito no Brasil. Além disso, temos Marques Rebelo. Ainda não se pode,
todavia, confiar em uma literatura infantil no Brasil.
E sobre a poesia?
Eu nunca procurei
a poesia. Gostei sempre mais da prosa. Admiro particularmente Augusto Frederico
Schmidt.
Qual o maior poeta nacional em sua opinião?
Eu diria Castro
Alves porque sei que é o melhor. Mas não tenho apreciação por condoreiros. Se a
pergunta se refere aos que gosto, posso falar de Augusto Frederico Schmidt, com
o seu Cântico de Adolescente que muito me impressionou há anos atrás.
Quais os melhores livros da literatura
universal, na sua opinião?
Humilhados e ofendidos, Crime e castigo, de Dostoievski, Sem olhos em Gaza, do Huxley, Mediterrâneo, de Panait Istrati e as
obras de Anatole France em geral. Mas isto é só do que já li.
Depois a própria
Clarice se encarrega de nos apresentar a um colega. Augusto Baêna, quarto-anista
e presidente do Centro Cândido Figueiredo da Faculdade de Direito.
(Na foto da
reportagem, Clarice aparece com saia xadrez bem miudinho, blusa gola role reta
de manga comprida, bolsa tipo carteira embaixo do braço e cabelos em quase
coque.)
Diretrizes 71, 30
de outubro de 1941
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