o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Raul Thadeu


"Nascer é muito comprido"
Murilo Mendes


Faleceu em Belém Raul Thadeu. Com ele somem coisas muito boas, que pudemos experimentar, rivalizar... Eu o conheci através do Samuel Pereira Campos, por ocasião de uma avaliação de um concurso de poesia da UFPA, creio que em 1994. Fomos a sua casa no bairro Reduto, espremida entre livros e a rua. Lá fizemos a avaliação dos poemas. E mais importante: constatei a desmesurada inteligência sobre as questões que ele era capaz de abranger numa mesma fala em torno de autores, livros, edições, enfim, o espaço literário. Lembro que ele orientava o TCC do Samuel Campos sobre James Joyce, já que os mestres medianos da universidade não sabiam de quem se tratava. Aquele encontro aproximava imagens multiformes de um mundo que a cidade abrigava. Descobri ali, para meu espanto, que Raul era pai do Paulo Ponte Souza, artista plástico e meu amigo. Com a chegada de Paulo, ele acabou entrando na roda dos jurados na avaliação dos poemas... A simples descrição daquela tarde, que se estendeu e varou a noite, é inoperante. E também não tem explicação tudo o que a partir dali se deu. Um lance de sorte meu – o acaso que sempre guiou os passos de Raul. Ou mais, bem mais. Pelas conversas, pelo desprezo ao sistema e ao ambiente literário, pelos porres, por não fabricar a fisionomia tranquilizante das coisas que devem ser, muito pelo contrário – pelo afeto e pela rispidez, pela extraordinária compreensão de autores próximos, como Max Martins, Vicente Franz Cecim, Ruy Barata e dos novos (lembro que, empenhados em produzir uma revista, fomos eu, Benoni, Yurgel e alguns outros incontáveis vezes a casa do Raul sem que ele nos atendesse jamais como um homem sobrecarraegado. Tempo depois apoiou e  participou da transposição da Revista Carlegárius para Polichinello). Por isso e muito mais, pelos embates e pelos combates, mas sobretudo pelas trocas (lembro mesmo que chegamos a “trocar” um raro exemplar que ele não tinha da poesia de Paulo Plínio Abreu por um Giacomo Joyce que, claro, até hoje conservo. Penso agora que de fato aquela tarde\noite e os sucessivos encontros-e-desencontros que se estenderam até a casa de Ana Lúcia, casa, não, corrijo-me: um mundo povoado docilmente por uma rara mulher, ex-esposa do Raul, nada disso teve e tem ainda a ver com sorte, acaso ou azar, tem a ver apenas com o movimento da vida, com as condições nada objetivas de uma vez ou outra se poder arrancar, trapacear, tomar para si, num único lance, o sete no jogo de dado.

Imagem: Paulo Ponte Souza



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