o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

PERTURBAÇÃO, THOMAS BERNHARD
Os comunistas não sabem o que é o comunismo. Lamentavelmente.


Somos, independentemente da vida profissional, viajantes em enterros. E sempre morrem precisamente, caro doutor, os que sabíamos que morreriam. As surpresas são raras. Pergunto, disse o príncipe, agora estão ampliando o cemitério de Bundau, não? E Huber diz: brigas. O prefeito, os socialistas... etc... Ao município, diz Huber, ninguém queria dar um pedaço de terra. Por isso o município simplesmente o desapropriou. Desapropriou, acho eu. Eis uma palavra que me faz compreender toda a repulsividade do Estado, toda a estupidez estatal, toda a súcia de funcionários públicos. Desapropriar! Desapropria-se a torto e a direito, digo, por todos os lados se desapropria, com os pretextos mais fúteis. Os políticos desapropriam impunemente. Desapropria-se impunemente. Desapropriam e arruínam. Arruínam a natureza. Desapropriar!, exclamo. E digo: tomara que o Estado logo se desaproprie a si mesmo. Que se desaproprie o quanto antes!, exclamo, que se suicide! Chegou o momento de o Estado se desapropriar a si mesmo, disse o príncipe. Esse estado ridículo, eu disse. Desapropriar! Decepam-nos a machadadas os dedos dos pés, meu caro doutor, veja o senhor, os dedos dos pés; cortam-nos os jarretes, ficamos sem poder andar... O Estado está bichado, digo; falo sério, o Estado está bichado. Nos últimos tempos minha frase favorita é, caro doutor, o Estado está bichado. Tudo é uma porcaria, digo a Huber; os vermelhos são uma porcaria e os negros são uma porcaria. Tudo agoniza de uma forma igualmente estúpida, não é verdade?

Tudo menos a ciência. Digo a Huber: apesar de tudo, a agonia republicana é sem dúvida a mais repulsiva, a mais dolorosa. Não é verdade, caro doutor? Digo: o povo é estúpido e fede; sempre foi assim. Huber diz então que no Bundau, concretamente, entre os trabalhadores de Drack, há comunistas. Comunistas!, digo, comunistas! Sim, comunistas! Também eu tenho um montão deles, asseguro-lhe. Tudo o que há embaixo do castelo, digo, é comunista! Tudo! Mas o comunismo e os comunistas não sabem o que é o comunismo. Lamentavelmente.






Thomas Bernhard, Perturbação, Rocco, 1999,

Tradução: Hans Peter welper & José Laurênio de Melo.
Imagem: Iraq, after Saddan @ Eddy Van Wessel.

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