PERTURBAÇÃO, THOMAS BERNHARD
Os comunistas não sabem o que é o comunismo. Lamentavelmente.
Somos, independentemente da vida profissional, viajantes em enterros.
E sempre morrem precisamente, caro doutor, os que sabíamos que morreriam. As
surpresas são raras. Pergunto, disse o príncipe, agora estão ampliando o
cemitério de Bundau, não? E Huber diz: brigas. O prefeito, os socialistas...
etc... Ao município, diz Huber, ninguém queria dar um pedaço de terra. Por isso
o município simplesmente o desapropriou. Desapropriou, acho eu. Eis
uma palavra que me faz compreender toda a repulsividade do Estado, toda a
estupidez estatal, toda a súcia de funcionários públicos. Desapropriar! Desapropria-se
a torto e a direito, digo, por todos os lados se desapropria, com os pretextos
mais fúteis. Os políticos desapropriam impunemente. Desapropria-se impunemente. Desapropriam
e arruínam. Arruínam a natureza. Desapropriar!, exclamo. E digo: tomara
que o Estado logo se desaproprie a si mesmo. Que se desaproprie o quanto
antes!, exclamo, que se suicide! Chegou o momento de o Estado se
desapropriar a si mesmo, disse o príncipe. Esse estado ridículo, eu disse. Desapropriar! Decepam-nos
a machadadas os dedos dos pés, meu caro doutor, veja o senhor, os dedos dos
pés; cortam-nos os jarretes, ficamos sem poder andar... O Estado está bichado,
digo; falo sério, o Estado está bichado. Nos últimos tempos minha frase
favorita é, caro doutor, o Estado está bichado. Tudo é uma porcaria,
digo a Huber; os vermelhos são uma porcaria e os negros são uma porcaria. Tudo
agoniza de uma forma igualmente estúpida, não é verdade?
Tudo menos a ciência. Digo a Huber: apesar de tudo, a agonia
republicana é sem dúvida a mais repulsiva, a mais dolorosa. Não é verdade, caro
doutor? Digo: o povo é estúpido e fede; sempre foi assim. Huber diz então que
no Bundau, concretamente, entre os trabalhadores de Drack, há comunistas. Comunistas!,
digo, comunistas! Sim, comunistas! Também eu tenho um montão deles,
asseguro-lhe. Tudo o que há embaixo do castelo, digo, é comunista! Tudo! Mas o
comunismo e os comunistas não sabem o que é o comunismo. Lamentavelmente.
Thomas Bernhard, Perturbação, Rocco, 1999,
Tradução: Hans
Peter welper & José Laurênio de Melo.
Imagem: Iraq, after Saddan @ Eddy Van Wessel.
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