Para que serve um prêmio literário?
Para o Ney Ferraz Paiva
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Desperto com a notícia desde os jornais. Era a divulgação dos resultados de dois prêmios literários: portugal telecom e jabuti – versão 2010. Os finalistas - o que se esteve a divulgar. Dentro de dois meses, os vencedores. Mas de algum modo, são eles os vencedores, os finalistas. Estão lá e estar lá é estar à Casa Grande, à confraria dos eleitos. Até aí tudo bem. Até aí tudo bem. Mas será? Por que será inquietam-me algumas coisas, algumas questões? Estou a ver. E desde a inquietude na que se me vêm estas palavras incertas, busco um modo a ela – à inquietude, busco um arranjo às palavras. Tentarei um rumo. Parece que não devem ficar retidas ao canto da boca as palavras – na certa que pululam desde ali, na certa que provocam gases em tão logo o tempo, for o caso o contê-las. Qual então o caminho/ o percurso? Parece-me que devem ser lançadas ao espaço público as palavras – lugar onde, outrora, seria a grande política o que lá se ensejava. Outrora. Por ora – vá se saber o tempo em que esta hora parece vingar?! – ali é o desmonte. E sequer que há o ‘ali’. E sequer que haja o espectro de ter havido o outrora. Restringiram-se os seus modos. Constrangeu-se aos seus convivas. Convidou-se a que se retirassem até o lar/até a casa/até o privado/até os limites de suas especialidades (os seus mundinhos mínimos inofensivos)/até o corpo somático/até a gula voraz na que habita a palavra à boca/até o chiste sob a tutela do ‘psicológico’ e neste, e uma vez este o que se fez foi convidar (convocar) a que se permaneça ‘lá onde’ a fala é sempre ela o regurgito da pessoa (ou os seus derivados) – e tão somente isto, a ‘pessoinha/peçonha’ na que parece é sempre que se está sob as alíneas do sintoma, sempre que se está (que se estaria) sob os rumores do fantasma redivivo a voltear, a voltear, a retornar a retornar o recalque (laço e elo, lanço e jugo), a estabelecer com ele elos frondosos, vãos insuspeitos, campinas desérticas, e um mar de negócios. Na contrafeita disto, faça-se então o trato – façamo-lo: ‘Apaguemos a pessoa por detrás da palavra – for o caso o literário’. Situa-se tudo e tudo ao tanto do que é dito, e aos modos mesmos do que se diz. Sempre o impessoal ali. ‘Sempre’ porque ‘o sempre’ seria o tempo de um seu apagamento – direito à morte do escritor. Estamos a pensar no que Blanchot buscou indicar – a força do literário ali, o seu espaço ali. Estamos a pensar desde a forma traçada em grita, em acusação contínua por um Foucault nos seus diagnósticos. Estivera ele a pensar no que seria ‘um autor’ – ali uma função, ali a indicação de que o que se fazia era o escrutínio – o revirar de arquivos, a notação contumaz do que lhes fosse suspeito. Um indicador uma pista um registro a arrefecer a potência do discurso, e sua condição anônima. Uma sinalização um farol aos escribas a que eles tecessem a sua rede, a sua malha copiosa, a sua folha corrida em acusação e então ali um autor, ali o autor. Foucault a denunciar isto. O autor como uma forma retesada na que se está em definitivo firmado sob o esteio deflagrado da assinatura. O autor como forma, função de um seu registro contínuo. Estamos a pensar em Beckett a indicar que pouco é que importava ‘o quem’ fala, ‘o quem’ da fala – Beckett a descosturar esta teia, a traçar suas linhas desde o sulco, a ruga, a fenda, o interstício, e esteve Beckett a fazer de forma contínua este apagamento. Pensamos em sua trilogia. Pensamos em um seu Companhia, pensamos em um de seus últimos escritos, Pioravante marche. Escritura do que não se nomeia. Escritura que parece sugerir que se há o movimento é para longe/ sempre para longe, e que se há o movimento é desde os longes onde lobos são todos aqueles que não deixam marcas por onde passam. Houvesse ali uma letra e talvez que fosse um Kafka quem lá a teria depositado – a letra em lugar do nome próprio. Os jeitos, os modos, a pessoalidade sob a contenção de uma letra. Outra vez aqui o desmonte do registro no que funda e se promove a oficialidade dos jogos desde o Estado (Estado que é forma e investidura - ecos desde o poder). Evitar (evitou-se) falar desde um aquele. Kafka esteve a evitar a impostura do ‘aquele’. Evitar evitou-se isto. Evitar que se registre o ‘aquele’ da fala, evitar que a fala se registre e se faça resignada a um ‘aquele’ que fala, e que se vá até este ‘aquele’ quem sabe se numa conspiração a ver se se faz sitiado ali nele todo o possível que o desmantela. E desde sempre isto – o desmantelar, o desmantelado. Esta a virulência da contrafação de um Kafka, um Beckett – inserir ‘o falso’ quando for o caso/sempre que for o caso a tirania do ‘verdadeiro’. O ‘verdadeiro’, os ‘efeitos de verdade’, o seu ‘campo’, os seus ‘signos sinais’ o que são senão os poderes do Estado (um Estado, sempre um Estado) - e dizer o Estado é já dizer dos poderes, e dizer um Estado é já dizer da violência e de seu monopólio, e dizer deste modo/esta fórmula ‘os poderes do Estado’ é dizer um pleonasmo o que buscamos apontar, e são os poderes e o Estado o que esteve ali a tecer os remendos ao desmantelado, o impor-lhe um dique, uma represa. Como se o estivesse a recolocar tudo num ‘seu lugar’. Recolocar. Reposicionar. Remendar o inominável sob os modos e a afetação de um nome, uma insígnia. Nele situar a legião que seria desde sempre o seu apagamento. Nele situar a legião. Convocar a todos ‘os aqueles’, os decaídos, a que se ajeitem ao tanto da Luz – ‘luz’ que é princípio de todo saber, ‘luz’ que é condição a que se saiba, ‘luz’ que é ela mesma o saber todo saber, instância de corte, instância de registro, regime de funcionamento, sistema de contenção. Não seria isto o que um Foucault sugere ao dizer que todo saber se presta ao corte?! Não seria isto o que um Foucault estaria a sugerir – que o saber se serve a algo este algo seria o corte?! Saber, cortar. Cortar desde o inominado um nome que se lhe acerque – uma área em demarcação uma cerca ali (e já e já todo o sistema de vigilância, o arame com farpas, os grileiros a fazer valer que não se o atravesse), um princípio de legibilidade, a propriedade privada uma vez que tão logo será a patente o que se lhe afixa. Faz-se a cerca – dá-se nome aos bois, impõem-se lhes as iniciais – que é já ‘onde’ começa um seu abate. Deposita-se aos seus interiores o que era vário e indistinto. Ofertam-se lhes a boa nova da significação. Como se o que se estivesse a conceder fosse uma terra, um lugar, a ‘casa própria’ desde a qual, para a qual, em nome da qual tudo será o que se fará. E então, o júbilo uma vez a conquista. Conquista-se o nome. Enquista-se uma vez o nome – ali a circunscrição, ali o raio de ação no que perpassa a varredura dos que perscrutam - vigiar, dispor. Faz-se acenar com a posteridade toda esta agarrada/amparada aos limites do nome (forma curiosa a de fazer não ver a finitude, a condição trágica da vida - a de apagá-la, a de fazer que se a apaga, forma curiosa a dizer que continua o que não continua). É-se já o autor. Está-se ali um autor. Assina-se a obra, nela se estará encerrado, e será a pompa, os louros, as batatas, a glória, a baía, um homem ali (um homem feliz, um bobo a quem se oferece um bolo de noiva, e coisas do gênero, um prêmio literário, um saldo na bolsa de investimentos) – mas que dizer de tudo? - já o disse um Bandeira da baía, da glória o tão pouco que isto importa - se o que se vê, se o que se enxerga, se o que se experimenta ‘no ali’ é o beco, um beco! E todo beco sempre (ele) se presta a ser o das lamentações. E dizer ‘beco’ será dizer o muro. Será se o atravessa? Será se o lança abaixo?
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Como será se apaga um nome? Como será se o subverte? Como será se o esquece? Como será se faz valer o esquecimento desde aí – voltar até onde nada é o que se (nos) retorna, voltar até que a desprega (nos) seja toda hora, todo tempo. Voltar até que o anonimato se (nos) faça a casa dos que não têm. E nada que aí se estivesse a experimentar uma perda, o infortúnio. Nada que se estivesse a perder. E nada que se estivesse a lamentar a ‘menos-valia’ que já seria o desmonte do que se acumulara. Nada que fosse desde aí o náufrago/o revolto a buscar (agônico) o tocar dos cabelos do mar à caça de uma salvaguarda a si. Nada que isto. Agora aqui não mais isto, esta lamúria, esta ladainha. Está-se a pensar que a condição de náufrago é a condição primeira, ela mesma a assunção (a afirmação) do trágico a existência ali, e dizer o porto seria dizer a negação de tudo, e dizer ‘o bote-salva-vidas’ seria dizer da miração como o de que se padece, e dizer ‘da agonia o sufoco o grito por socorro’ seria dizer que tão logo é que se estaria a inventar um deus aos fracos, um deus-ficção-aprumada-uma-casa-a-farmacopéia-aos-obstruídos quando à tentação, um remédio-uma-óstia-uma-prescrição ao ‘quê fazer’, e ao ‘como do fazer’ - porém o que se nos vêm é a voz de outro o poeta a dizer que a óstia toda óstia é apenas (e sobretudo) o que atua ‘quando o desejo morre de preguiça’. Está-se a ver que o desejo prescindiria da pessoa-que-deseja, não se está? Está-se a ver que os modos à pessoa bem pode ser o que acabe por represar a este desejo que é torrencial, desejo que seria o próprio mover da vida, e a inscrição de um seu passamento. Está-se a ver que o desejo seria a condição uma condição à imanência (desejo-mundo-fluxo-germinal), e que nela, desde ela nada é que se dá a ver sob a tutela de um nome, todo nome, ali uma igreja, ali o Estado - sempre ele a operar os seus milagres aos lázaros rotos – asseá-los, conjurá-los, interná-los, ou num termo apenas, um eufemismo: o ‘tratá-los’. Está-se a ver que a resistência é à imanência – porque o que se ‘desopera’ sempre e sempre não seria já a ficção de que (nos) haja um ‘para acima’, ‘um para além’ (um transcendente) que não aquele ‘lá’, que não aquele ‘estar todo lá’ – e o ‘lá’ em sendo uma região inóspita, toda a região este ‘lá’, região na que a condição fluidífica é(-nos) também a condição afirmada de que nos seja o que for, de que nos seja o que já (nos) é. Lembrança de um lance de dados. Lembrança de um Nietzsche a afirmar que o lance é um apenas. E que não se trata de depositar a ênfase no ‘aquele’ que estaria a lançar os dados – como se fora uma ‘pessoa’ ali a escolher. Lembrança de um Nietzsche que ao dizer que a ênfase em definitivo em não estando ali – nesta ‘envergadura intencionada, a pessoa’, ele mesmo, este Nietzsche, ele não estaria a dizer que seria de se tecer louros às mãos invisíveis de um mercado (de trocas, de tomas-lá-e-dás-aqui), não seria de se lhe render graças – nunca que isto! - Nietzsche estaria a dizer do trágico a condição na que o dado está já a ser lançado, e que se for de ser esta a combinação não será de outro modo (ainda) um tempo outro na que quem sabe se lance outro dado (e outro e outro), na que quem sabe se lance uma outra vez (e outra e outra a vez) o mesmo dado até que então quem sabe se acerte a uma combinação, até que então quem sabe se esteja a acertar senhas que escancarem portas. Não há o que acertar. Não há o estar ao certo. Não há este lugar para onde se vai em conformidade ao que se queria. Quem seria ‘este que quer’? Apenas que isto - o dado, o lanço. Aí é que se está. Não há saída. E o ‘não haver saídas’ é já a condição do liberto. Liberto da ficção, liberto das falsas promessas de que um dia o dia nos será de um azul metafísico, liberto das falsas certezas de quando um sermão desde a montanha (a ênfase numa posse/escritura do que nos seria desde sempre – uma vez que se estando inscrito à filiação – deus deus - tudo já nos seria nosso – esquema de herança do privado uma transferência de recursos e propriedades, um cristo que é filho de ninguém menos do que ‘o dono do mundo’, ele a dizer: ‘como podes me dar o que já é meu?!”), liberto dos modos diversos no que (nos) se inscreve a culpa uma vez um fracasso a se nos pregar até a comoção, ela a culpa a irresgatável, ela a que faz vergar – os joelhos ao chão, ela a culpa (e seu maquinário) a nos sugerir uma (nossa) superação, tão logo, prostrados à adoração, à adulação de tão brancos os senhores. Lembrança de um Carlos Henrique Escobar a dizer que sempre se está sob o acaso pesado de uma inscrição singular - a cena suja na que se é toda hora todo sempre e isto de uma só vez. Nada que se erra, nada que se acerte. Apenas que está-se ali. Então, trata-se disto. E então, trata disto. Em tempo: não se deve ler ‘tratar’ como se se estivesse a dizer ‘curar’ – ao menos aqui e agora. A não ser que o médico aqui seja aquele que tome a si a civilização. Sobrelevá-la? – qual nada isto! Buscar uma planura, um lugarzinho ao sol for o caso os pulmões resfriados? Nada que isto. O médico aqui traz consigo a sabedoria de Sileno. Outro modo o dizer disto – ‘Vais ter com homens? Levar consigo os chicotes”.
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Um prêmio literário. Sobre o que será versa um prêmio literário? Está-se aqui a perguntar quase afônico. Parece que o caminho a que se dá aquele percurso às palavras que desde a boca se lançam ao mundo é percurso estranho, espinhoso, pedregoso, formado por rochas de há muito sedimentadas. Há que se usar de britas. Há de se fazer das palavras substância corrosiva que quem sabe elas penetrem o muro das significações dominantes. Que quem sabe elas as palavras se façam explosivas e seja de um desmonte o operar delas até que os homens – está-se com as palavras, mas palavras aqui são esporas. Um prêmio literário o que seria? Resposta rápida rapidinha que se (nos) chega é resposta rasa, situada (sitiada, sitiante) ao tanto do comum que se firma (tão logo) desde o que parece brilhar (aceso) a campainha de todas as respostas, uma eureka! Fiat lux! E no calor da resposta de pronto a resposta pronta a que se faz valer é aquela que diz que o que ali se faz (quando de um prêmio literário) é premiar o que seria o melhor dentre os textos, o melhor dentre os melhores, ou os melhores dentre os outros que não. E então, e então, e então. As palavras fáceis elas descem por corredeiras. São palavras tagarelas elas mesmas. São palavras em equilíbrio aos lugares. São palavras-clichês. São palavras que nunca é que solapam. São palavras que dão o sítio. São palavras que esclarecem. São palavras que como pregos, estacas, arames promovem uma cerca. Palavras do saber, desde o saber, para o saber – palavras sábias. Palavras que amealham a si alguma prata. Palavras que se lançam à direção dos editais e os seus formulários. São palavras que preenchem cada item. Palavras que a tudo respondem. São palavras-respostas. Palavras de plantão. Palavras de orelhas em pé. E como que numa giratória contínua as orelhas das palavras. Palavras radares. Palavras como sirenas. Palavras de emergência, dos que emergem, dos emergentes. Palavras de novos ricos. Palavras que fazem caber em si tudo como se elas lhes servissem de luva. Estamos à contramão disto. Necessário diminuir o tempo. Necessário desacelerar os motores. Está-se em terreno sólido, pedregoso. Está-se dentro dos saberes que já e há tanto andaram a operar os seus cortes, as suas incisões à carne do mundo. O que será se deixou de fora uma vez o corte? Não será a noite dos incontinentes, e nela estes, os tais incontinentes? Não seria aquilo mesmo que se lhe escapuliu uma vez a precisão da lâmina, uma vez a pontualidade das arestas de então, uma vez as alíneas do contrato que passou a registrar o legítimo? Está-se a sugerir o passo lento, o cágado em lugar ao lépido, o devagar uma vez os instantâneos. Está-se a sugerir que desmontemos a casa, e que desmontando a casa se comece por desmontar o quarto dos horrores no que uma casa (por vezes, tantas às vezes) ali se funda. Está-se a sugerir que retomemos ao inóspito de antes – aquela região curiosa na que as coisas não pareciam tender a um centro. Espécie de insaber que é antes o tom da contenda do que o do contrato. Claro está que a contenda aqui não é a guerra que desde o Estado se opera na direção de seu palácio – contenção das bordas, contenção da periferia, contenção dos perigosos, contenção dos inumanos, os monstros, contenção das bacantes desde o exército a cavalaria de que nos conta um Eurípedes. A contenda da que falamos é já a maquinaria de guerra de que sugere um Deleuze – Aquiles contra Heitor, e Aquiles luta porque a luta é de sua natureza barbárica. Não quer ele o regozijo do Estado (que é coextensivo à manutenção das classes, e de seu regime de favorecimento às elites que lhe operam). Não quer Aquiles as plumas e paetês um seu afago – a remissão contínua a um sistema de premiação, não quer ele o acordo ao oficialato – sua ira de ferro, seu humor de úlcera, sua hierarquia assinalada nos distintivos o galardão as estrelas ao ombro. Não quer ele os jogos desde o qual o poder se faz inscrito - um saber ali, cortar e cortar. Aquiles está para lá do corte – ele mesmo o insurrecto, o incontinente. Mas voltemos. Recuemos até o prêmio. O que será se premia? Por que será se premia? Será há a possibilidade de um prêmio se não houver o primado do saber, o do cortado, o das instâncias do demarcado? Será há a possibilidade de um prêmio uma vez que não se saiba o primado da regra, e esta como que a situar o texto desde a regra mesma, o seu fabulário, um seu regulamento? O que será se premia? Não será o que desde a regra, na direção da regra se sitia, se faz sitiado um texto, todo texto ali? Não será que em se sabendo as regras se se faça um tanto mais razoável a premiação? Não será um prêmio a extensão dos domínios de posse dos seus juízes e jurados? Não será está neles representado a ‘razão’ e as ‘razões’ de um prêmio? Como se ao se premiar a um algo o algo primeiro que se está premiando fosse ‘os aqueles’ que bem julgaram – a sua certeza a sua descoberta, o seu ver ao certo, o seu enxergar perfeito, a sua detecção do que’ jamais seria’ não fossem eles os desbravadores, do que ‘jamais que viria à Luz’ não fossem aqueles olhos os de um bandeirante, aquela lupa, aquela benfeitoria o que ilumina e o que dispõe - e tudo isto desde os juízes e os jurados eles mesmos o que se fazem ver no que vêem, eles mesmos os que se distinguem no tanto que distinguem a outros, e tudo somado, noves fora zero, a imagem e semelhança o que estaria a primar?! Está-se então de todo ao saber. Saber, cortar. Mas quem é este que sabe? Qual será o estatuto do ‘quem’? Estamos ao tanto do literário, estamos a nos perguntar pelo seu espaço, e os seus modos ao texto – saber, cortar. Estamos nesta embocadura – espécie de encruzilhada dos caminhos que desde a Roma é para lá que convergem (espécie ‘impercebida’ de hegemonia do sistema viário – tudo em sendo o que acabasse por voltar ao mesmo ponto, e desde o mesmo ponto operar a sua engenharia de tráfego...), e eis que retorna a pergunta, uma vez o universo de um prêmio, e os seus subtextos, e os seus pressupostos, e eis que retorna a pergunta: o que será se premia? O que será um prêmio literário? Parece que há um texto ao prêmio. Parece que dizer ‘o texto’ é evocar também, e sobretudo, o texto que há na fala silenciosa de quem está a julgar, e no seu ato mesmo do conceder um prêmio a um texto que esteve lá de sob os seus olhos de formulação, a tábua dos indícios, uns tais mandamentos. Talvez que haja os indícios, e que os indícios sejam o que se vai passando de mão à mão: da mão de um que escreve, à mão de um texto escrito, e à mão dos que indicarão aos vencedores as batatas. Toda uma rede insidiosa de comunicação. E toda uma rede silenciosa de contenção. E todo o silêncio em rede do que se há de conjurar. Todo modo, será isto: uma sineta na calada da noite dos acordos já dispostos! Alguém ganha um prêmio. Mas quem será o ganha? E o que será ele ganha uma vez que ganha um prêmio? E retorna outra pergunta a esta embocadura da que não saímos: Qual o estatuto do ‘quem’, do ‘alguém’ – este ‘aquele’, ‘os que ganham’? Será este ‘alguém’ um alguém que ao estar fora do texto dispõe do texto como quem dispõe de um roteiro do ‘como fazer’ e do ‘quanto fazer’ e ‘do que não se deve ao fazer’ e ‘do que não se inscreve uma vez o fazer que se faz’? Tanto o saber, tanto saber – parece que sempre é que se está dentro dele, nele, a partir dele, em meio a ele, sob ele. Será não se sufoca aí? Será o caso acessar os brônquios – aparelhá-los ao conforme? Será possível o esquecimento das regras e então como que num acaso, o prêmio? Mas não será este ‘o aquele que esquece as regras’ um desregrado? E será que a um desregrado há de haver um prêmio? E será que uma vez havendo um prêmio ao desregrado este prêmio não lhe funcione como um regulamento a posteriori – uma inscrição outra vez ali ele a ser colocado para dentro, e então é que se estaria a ver se se o conserta, a ver se se o coopta! Um prêmio a este não lhe seria já um infortúnio, uma voz de prisão – um prêmio não lhe seria um forcado, um ‘a fórceps’ a enregelá-lo lá onde nele o que há é a ausência de toda luz que iluminasse – luz que espreitasse, que ‘refundasse’ o junto desde o cindido, luz que vasculhasse, que aprisionasse, e que inaugurasse deste modo o sistema mesmo de todo corte que é o saber? Mas será haverá este conluio entre o desregrado e as regras de seu corte, ou noutros termos, um prêmio e um júbilo como numa dança de roda, ou num pas de deux? Ou será que um prêmio é o que se destina aos eleitos que bem entenderam, e bem decoraram, e bem repetiram, e bem se sitiaram, e bem e bem e bem. Um prêmio não será uma artimanha ao bem – desde o bem a artimanha o artefato o regimento a tropa de elite, e tudo em sendo este caminho, este percurso, esta ‘rituália’ até que o bem, em direção a este? Um prêmio será um bem - uma propriedade, um ativo fortíssimo e operante no sistema de trocas? Um prêmio não será uma heráldica, um brasão, um distintivo – um sistema que se inaugura à filiação, uma casa grande na operação de seus milagres de inclusão social? Um prêmio não será uma distribuição de recursos aos que já os têm – uma vez que não se estaria lá sem ter os recursos que desde os bens ali eles tilintassem na direção disto que é já o que o distingue àquele que o aquinhoa? Um prêmio não seria uma tautologia – a repetição contínua da fórmula que desde a fórmula se fizesse reafirmada, e repete-se e repete-se o repetir de sempre?! Forma de levar ao longe e de modo constante uma regra, e seus operadores. Um prêmio não seria então uma ocupação de espaço? Um prêmio não seria uma empreitada – contrata-se gente na direção e na intenção de que se ‘acerquem’ (pôr uma cerca) os terrenos, e começa-se (começaria-se) pelos arames enfarpados (outra vez aqui esta imagem), e pelos sistemas de vigilância a ver se não entram por ali os detratores com pedras aos bolsos numa intifada, a ver se se restringe ao máximo os ‘aqueles’ que possam sacudir a muralha, os ‘aqueles’ que possam vir a exigir a desfeita/a desforra/o escárnio público a tudo o que for este conluio e então o muro a muralha a fortaleza o forte apache na contenção dos que estão a ver se se desfaz o feito que é desde o feitor o que se promove, a ver que se ‘desopere’ o que obnubila, a ver que se destrave a trava que se pôs em meio aos olhos a viciar a visão com os mesmos fantasmas, as mesmas regras, os mesmos acordos de gabinete - o recalque ali, uma interpretação ali, a significação dominante ali, o saber ali, o Estado sempre o Estado e ali nele os seus soberanos, a sua comitiva, a sua junta, a comissão científica. Um prêmio não seria o que se oferta sempre que o que se esteja a fazer seja a promoção de uma impostura, e também ela mesma a promoção esta impostura?
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Aqui e agora são palavras de um Sartre. E lembremos um algo: Sartre que recusara um prêmio. O Nobel de literatura. Imensa, longuíssima a conversa entre ele e sua Simone. Está-se entre os anexos de A Cerimônia do adeus. São palavras de um Sartre, ouçamo-lo: ‘O Prêmio Nobel consiste em conferir um prêmio a cada ano. A que corresponde este prêmio? Que significa que um escritor que recebeu o prêmio em 1974 - o que quer dizer isso em relação aos homens que o receberam antes ou em relação àqueles que não o receberam - mas que escrevem como ele, e que talvez sejam melhores? Que significa este prêmio? Pode-se dizer, realmente, que no ano em que mo concederam eu era superior aos meus colegas, os outros escritores, e que no ano seguinte um outro o era? É assim que se deve considerar verdadeiramente a literatura? Como pessoas que são superiores um ano, ou então que o são de há muito tempo, mas que serão reconhecidos nesse determinado ano como superiores? É absurdo. É evidente que um escritor não é alguém que num momento dado é superior aos outros. No mínimo, é igual aos melhores. Os ‘melhores’: isso ainda é uma fórmula. Ele é igual àqueles que fizeram livros realmente bons, e, além disso, é assim para sempre. Ele fez esta obra, talvez cinco anos antes, talvez dez anos antes. É preciso que haja uma certa renovação para que nos concedam o Prêmio Nobel. Eu tinha publicado ‘Les mots’; consideraram-no válido e me concederam o prêmio um ano depois. Para eles, isso acrescentava um valor a minha obra. Mas deve-se concluir que, no ano anterior, quando não tinha publicado essa obra, eu valia muito menos? É uma noção absurda; essa ideia de colocar a literatura em hierarquia é uma ideia completamente contrária à ideia literária, e, ao contrário, perfeitamente conveniente para uma sociedade burguesa que deseja integrar tudo. Se os escritores são integrados por uma sociedade burguesa, sê-lo-ão por uma hierarquia, porque é efetivamente assim que se apresentam todas as formas sociais. (...) Estou em total contradição com o Prêmio Nobel porque ele consiste em classificar os escritores. Se tivesse existido no século XVI, no século XV, saberíamos que Clément Marot recebeu o Prêmio Nobel, que Kant não o conseguiu - que deveria tê-lo recebido, mas que não lhe concederam porque houve uma confusão, ou uma atuação de determinados membros do júri; que Victor Hugo evidentemente o recebeu, etc. Assim, a literatura seria, então, completamente hierarquizada; haveria os membros do Collège de France, e outros que teriam o Prêmio Goncourt, e depois outros que teriam recebido outras honrarias” (p.336-337).
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Na contramão disto, a contrapelo, dispara a voz da canalha (espécie de gralha loquaz) na sua acusação contínua, habitual. São vozes rápidas no uso e abuso das palavras-fáceis a que mencionamos há pouco. Partem sempre e sempre da certeza irremovível de que o seu mundinho é a totalidade do mundo, e de que todos os que lhe acusam o fazer de seus joguetes ao feudo em proteção é por querer ocupar aquele seu casulo desde o qual lançam a toda hélade as suas verdades, e os seus formulários de conduta – romanos a tomar de assalto o que for o múltiplo – toda e qualquer voz em dissonância, e a inserir o que lhes for diverso na quadratura única de leitura de que parecem querer, poder. Juízes sempre jurados o grande julgador. Estão à condenação, à perscruta de novos réus, ou àquela premiação aos eleitos – duas facetas na retroalimentação da imensa vontade do ‘mesmo’: fazer que se continue tal como se está, fazer com que se continue a operação das benesses e de seu sistema de crença/de troca. Claro está há o cinismo e os cínicos. Mas façamos que não lhes emprestamos os ouvidos. Cínicos reiteram a peleja. Cínicos corroboram com o teatro de marionetes. Todo modo, aqui, as palavras clichês se farão presente – são os juízes que é em boa parte toda a gente um senso ao comum. Ouçamos as suas palavras, nada doces, voltadas em composição uníssona ao que desde aqui ensejamos: - “Por que será lá vens tu a acusar tudo? Será tu pensas que alguém aqui é tolo? Será tu pensas que enganas a alguém. Estás a bradar com raivas, e cheio de ressentimento. Na certa que nunca é que conseguiste um prêmio. Na certa é que o que bem gostarias é de estar desfrutando das benesses que vêm desde os prêmios, e uma vez os prêmios. Apenas existem dois lugares: os que estão dentro da porta, e os que estão do lado de fora da mesma a querer um seu ingresso. Na certa que estás do lado de fora, e não consegues os méritos ao dentro. E mais a mais, outra vez é que retornas com este corpo de indicações em letra morta. Um Sartre ainda um Sartre? Não vês que isto há muito que foi superado. Não vês que os livros dele já não vendem? Que sequer que há fôlego a uma tese de investigação do seria um Sartre. Ele o ultrapassado. Não percebes os termos que ele usa – ainda ele a reclamar desde os chavões da velha esquerda, ele a dizer ‘sociedade burguesa’, ‘hierarquias’, ‘cooptação’, ele a supor desde si a si que seria ele mesmo o padrão de valores a ser seguido, que seria ele o íntegro e não todos que não ele, e também lá vem outra vez esta tua mania de indicar uns outros nomes de pouca monta, um Blanchot, um Foucault, um Deleuze, um Nietzsche, um Beckett, esta mania de alta literatura, esta fórmula eurocêntrica, este espelho de vaidades na que tu és ‘o aquele’ que brilha, esta erudição desde os cadernos, este tempo das letras mortas que não mais, como se fora tudo isto espécie de latim que já é ninguém quem o domina. Por que será não te renovas? Por que será não te dás a literatura dos folhetins? Aos novos de agora agorinha mesmo os bloggeiros – por que não a eles o teu credo? Por que será tu não freqüentas as festas? Por que não vais lá a aprender o se portar, e de forma desarmada esta aprendizagem?! Por que será não contratas um agente literário? Por que será não te fazes mais tranqüilo, mais cordato, por que será não aceitas as regras do jogo, por que será não entendes os refluxos de uma esquerda, por que será não compreendes que a história é morta, e que já não é o tempo das posições firmes, e dos radicalismos fadados ao fracasso? Por que será não tentas uma bolsa – tu não percebes que se está a promover a literatura uma vez as bolsas de fomento? E blá blá blá blá blá blá. Façamos minuto de silêncio ao morto – estivemos a gorar com isto. Porém desde as cinzas o renovado - aí estamos. Retomemos o fôlego desde a faca.
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Tanta a acusação – e o quanto será que vingam estes argumentos? Há aí algum argumento? Houvesse argumento - o que será o vingar dos mesmos? Será o grau de um seu convencimento e isto expresso no tanto de seu raio de ação, no seu número de adeptos? Talvez que seja isto. Ainda assim, há que se desconfiar destes critérios. Está-se sob a máquina de fabulação da imprensa de massa, está-se sob reincidente golpe de estado mediático. É já uma observação face às maiorias silenciosas. Não será que o que se busca é justo uma sua aderência não-crítica ao que se lha deposita? Como se se estivesse a exigir o silêncio, a suspensão de toda forma à crítica. Partimos desta posição. Mas pensemos o que advém desde àquela saraivada de acusações. Talvez que já se arme o cadafalso que é a casa aos proscritos. Está-se à praça pública na que vingam os jogos de execução. Não mais isto. Aqui e agora, o lugar às coisas é sempre mais ao fundo – arrancado dali, seqüestrado o ‘ali’ ao público, resgatado até à zona cinza e mórbida dos interiores - o privado, o privativo, o pessoal. Daí que a acusação toda ela se volta à suposta pessoa que está a criticar o estado de coisas. Nunca que à crítica mesma (a que se teceu) é que se voltariam estes argumentos em defesa deste mesmo estado de coisas. Não há a discórdia, não pode haver a discórdia. Também isto a fazer parte do cenário típico a este estado de coisas. Não há a guerra entre as partes contenciosas, não pode haver o guerrear. Apenas o que há é a arenga, e uma arenga é sempre o fastio. Faz demorar o que deve ser rápido rapidinho – os jogos, os acertos, as diretivas, os regulamentos, os formulários a que se preencham nele as adesões. For o caso opera-se a estas por meio de telemarketing. Está-se sob o princípio de que se está a crescer, e o mito ao crescimento um seu conclamo é sempre o que torna produtiva a safra, e então é dos estoques o de que se trata, um seu acúmulo (nunca a sua queima – como numa queima de excessos). Apenas isto o de que se trata. Estoque, escroques. O mercado é o horizonte todo horizonte possível, e necessário é o saber se portar quando ao mercado. Nada de teorias gastas. A prática é sempre outra, e os sábios devem ser práticos, e objetivos. Afinal está-se a operar ‘o milagre da inclusão’ – e se for o caso o te inquietares, vê se percebes que é em ti, e desde ti que a inquietação se faz, um teu sintoma aí – outro modo de dizer que se há um problema ele é todo teu. E será, vez mais, a suspensão à grande política uma vez que é ‘a pessoa/peçonha’ o lugar a zona de um (seu) mal estar, e tudo somado, ali o seu caso clínico. Quem será nunca ouviu um algo assim? Quem será não percebeu os efeitos perversos que operam à suspensão da crítica e da política? Uma clínica onde deveria haver a grande política/o embate/o pensamento que é embate - de que falamos ao princípio. Porque a praça pública não há de ser o espaço dos sujeitos enquanto indivíduos expandidos desde o umbigo. A praça pública deveria ser o lugar do ‘nós’, e o ‘nós’ em definitivo não seria o somatório de ‘euzinhos’ particulares – ‘euzinhos em crise’, ou ‘euzinhos jubilosos’, qualquer que seja isto. Mas será há esta esfera, a subsumida? Será não se lha apagou os regimes de outrora – como que a fazer valer a continuação do ‘mesmo’ (aquele mesmo, a mesmidade, o pensamento único), e o ‘mesmo’ em sendo o que quer a significação dominante e opressora – uma significação hegemônica, um pensamento único?! Onde a arena à discussão, e ao desmonte do instituído – ou vá se dizer que o presente é a totalidade do tempo? Que o presente é a subsunção dos possíveis, e dos mundos todos os outros nele o contido, a contenção – será não se está a promover isto? Será há um desmonte, será há o trabalhar do trabalho que se possa fazer numa outra a direção, ou estaríamos a contar a cantilena o estribilho no que se conforma o ‘aquele’ que a canta como que a repetir em alto e bom som que ‘o mundo é assim e quem quiser gostar do mundo que bem entenda que o mundo - ele é assim’?! Forma estranha esta a de vergar o que o poeta dissera numa outra feita. Mas também e aqui, nestes modos ao proceder, o que se está em promoção é o repetir de uma fórmula que tanto sucesso fez, outrora, em Pindorama: Amar, ou deixar o ‘aqui’ - amar o que se nos dá e ponto, ou então um pé às costas e às costas um pouco abaixo é o lugar ao chute. Alguém será se lembra disto? Talvez que não. A memória, a memória – ainda se dirá que ela bem alimenta aos ressentidos. Talvez que sim, talvez que não. Todo modo uma certeza: vive-se um tempo muito pouco dado aos homens embraseados.
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Está-se em Pindorama. Bom que se deixe claro este registro de espaço e tempo. Falamos ao início que o ano é o de 2010. Nele despertamos ao ler aquele anúncio aos jornais – os resultados aos prêmios literários. A partir daí o que nos foi era a inquietude. E então, este arranjo. Claro está que boa parte do que aqui se disse não se restringe aos espaços de Pindorama. Esteve-se e está-se a falar sobre prêmios à literatura – aqui, ou algures. São espaços/modos que se comunicam, que se intercambiam, e dizer da impostura é enredá-los ao diagnóstico que se lhes voltamos. Todos juntos, todos aí. Todo modo – claro está – existirão sempre as especificidades de cada lugar, de cada aldeia. Porém, insistimos numa certa equivalência dos hábitos. Ainda assim olhemos um pouco ao umbigo. Está-se em Pindorama. Aqui os nomes costumam se repetir como que num refrão uma ladainha um estribilho, um seu bate-e-volta, um seu ir-e-vir até que se o fixe os nomes, os mesmos nomes fixados à cabeça/ ao fabulário/ao mapa das referências, os mesmos nomes, e sempre os mesmos ainda que sejam uns outros os nomes, e tudo somado - é curioso que eles pouco digam respeito ao universo das letras. Certo que havíamos combinado: esquecer os nomes, voltar os olhos aos textos. Porém, eis uma regrinha em Pindorama: ‘Há de se chamar atenção aos nomes’. Sobretudo a eles. E serão gentes da música, com forte nome ali. E serão as gentes hiperexpostas aos media, com forte nome ali. Mas que será um nome forte? De forma pouco detida diremos sem embaraço: um nome forte é uma grife, um anteparo ao anonimato, e mais e mais, justo o seu contrário, um nome forte é o que conjura as formas ao esquecimento, todo e qualquer. Um nome forte é um nome ao mercado das trocas, um nome que movimente a bolsa, os pregões. Arrancam-se nomes fortes aos media. Arrancam-se nomes fortes à indústria cultural. E se isto se dá é porque (diz-se) uma vez a exposição contínua do nome (e daquele que atende pelo nome) se terá a garantia certa de retorno do que lá se investiu. Evita-se que se perca algo – é que a maré anda baixa, e a crise é infinita. Lamentamos que tal crise não se achegue aos escopos do ontológico. São crises intestinais, os velhos calos ao estômago, úlcera aqui, gastrite sob controle ali – sintomas de mero contratempo. Sintomas dos que estão ao jogo e o jogo é compulsivo, compulsório, sôfrego, mas carregado em adrenalina. Precisa-se de investidores - há de se ter o tino aos negócios, e há de se convir que se evite, toda prova, os riscos certos ao infortúnio. Afinal de há muito se diz que pouco é que se lê em Pindorama. Então, uma estratégia: há de se chamar atenção à literatura desde os nomes fortes. E não há como se arranjar nomes fortes desde as letras se não há um aglomerado de público ao literário. Buscar-se-á então noutros lugares a estes fortes nomes – uma vez isto, enfurna-se os tais nomes ali na intenção generosa de preencher o que parecia esvaziado. Claro que lá habitam ‘uns outros’ que sequer que carregam consigo nomes. São escritores, os anônimos. Estão debruçados ao espaço literário – o que é forma de dizer que estão nele engolfados. Mas nada que isto lhes seja amargo. Apenas que é a condição de um estar ali. Os escritores estão ali. E o estar ali é o estar àquela forma. Todavia são infortúnios àqueles promotores de festas e de fanfarras. Precisam ser removidos de ali para que os nomes fortes possam ocupar o seu extenso território de domínio. O que há de se fazer senão evitar que estes outros, os escritores, eles venham à tona? O que há de se fazer para evitar que eles se coloquem (desde a cara) fora d’água - um náufrago, os escritores, eles ali a ensejar um bom par de palavras em xingamentos, será convém isto? Talvez que estraguem a festa, e o investimento que lá nela se depositara, e então.
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É ainda de Pindorama que falamos. Aqui, quase que na íntegra, reproduzimos a fala de dois editores – que são as gentes a lidar com os livros, e o literário. Talvez mais com os primeiros do que com o segundo. Todo modo, vejamos o que eles conseguem no seu dizer tão curioso. Um foi quem disse a pérola, a pista, os modos a um prêmio literário – ‘Necessário o se fazer famoso. É que apenas assim se estará a ponto de conquistar um prêmio. Porque deste modo se estará a prestigiar o prêmio’. O outro editor dizia dos modos à publicação no seu nicho editorial: ‘Se for um livro comercial, nós pagamos a edição. Se não for, solicitamos ao autor que ele compareça com algum dinheiro’. O primeiro dos editores trazia um sorriso ao rosto na hora de um enunciado como aquele. Sorriso de canto de boca. É que parecia contar um segredo – e por isto o sussurro. É que parecia indicar uma luz ao final do túnel – e por isto a indulgência. Como quem indica o ‘quê fazer’. Como quem distribui bons conselhos. E como se então, uma vez isto, ele estivesse por convidar à festa – uma vez a senha ao ingresso. O segundo dos editores trazia uma carranca fechada. O queixo avantajado. A barba eriçada. Como se tivesse falhado ao apará-la sempre apressado que está. Entre viagens ao exterior – o pouso e a heresia. Parecia dizer o que lhe era claro, límpido, translúcido. Como seria de um outro modo? Um livro comercial é lucro garantido. Já o outro livro – que seja por custo e risco de quem o escreveu, e então ele que o assuma. Duas formas de ler tal enunciado: uma delas, esta de há pouco, é a que sugere que ‘um aquele’ que se deu a experimentos não-comerciais deve arcar com a sua ousadia. Como se lhe dissesse: ‘Se queres experimentar, então’. Desdobramento de tal enunciado: ‘Evite reincidir’. Este um dos modos de ler o que disse o editor da carranca, o turista de ‘sempre o mesmo’. Outro modo, a leitura nas entrelinhas daquela fala: em Pindorama, não poucas às vezes, deve-se entender de alguém que se diz ‘um editor’ o eufemismo da função investidor, e falar em literatura é contar o espaço de um negócio. Um livro comercial movimenta um bom ativo. Certo que há de se entender um tal argumento – afinal não se está à chuva para se molhar, mas para que se possa vender um bom bocado de sombrinhas, o guarda-águas. Questão é: Não serão as premissas de ambos, os editores, mais do que equívocas, não serão elas premissas perversas?!
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O ano é o de 2010. Nele acordamos com uma notícia que (parece) mencionava livros, escritores, prêmios. Pensou-se tão logo que se tratava da literatura e então todo o estardalhaço que pudemos. Ledo engano. Nada que isto. Nada. Estava-se a falar em negócios. E falar em negócios, se é falar em investidor, é também falar em seguro, em apólices, em fiadores. Será estávamos com travas às vistas e pensamos, incautos, que líamos o caderno de cultura do jornal em questão? Talvez que fossem as páginas de economia. Talvez. Ou quem sabe se estivesse de fato entre as linhas do caderno cultural. Talvez que sim. Creio que era isto. Mas já pouco importa. Algo se dá como que à semelhança – ou não será isto, mas qual? A cultura, os negócios, a economia. Certo, certo. Necessário não perder os humores. Apenas que buscamos como que num assalto nos flagrar àquele tempo do despertar, e então que já nos vêm àquelas vozes, as mesmas vozes, aqueles nomes, os mesmos nomes, os fortes nomes, um prêmio ali, os fiadores. Será desde onde que se me chegam àquelas vozes? Pouco que importa isto. Pouco ou nada. Sobretudo se se está, uma vez desperto, um tanto mais apto à leitura dos fatos. Parece que sim. Parece que estou aí. Ao menos agora. E como que num sopro esvaem-se os fantasmas de ainda há pouco E junto com eles, as vozes os nomes. Estavam silentes entretanto. Pareciam em conluio. E sem que fosse fato, elas se riam desavergonhadas.
André Queiroz