à procura de uma linguagem inabitável louca desgarrada é ela que traz água aos moinhos
o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)
sábado, 7 de julho de 2012
Que Tienes Debajo del Sombrero?
A norte-americana Judith Scott trabalhava as suas esculturas como se fosse um inseto. Apanhava peças e cobria-as com lã. Surda-muda e com síndrome de Down. Nada deteve as vozes de Judith Scott.
terça-feira, 3 de julho de 2012
Democracia é engraçada; Demokratie ist lustig!
Com esta frase Joseph Beuys comenta a sua expulsão da Academia de Artes de Dusseldorf.
"É a Demokratie é mesmo lustig" (1973)
Com esta frase Joseph Beuys comenta a sua expulsão da Academia de Artes de Dusseldorf.
Em outubro de 1972 Joseph Beuys participava da Documeta de Kassel 5 com sua escultura social “Escritório de Organização para a Democracia Direta através do Plebiscito”, dias depois volta a Dusseldorf para inicio das aulas de inverno. Chegando em Dusseldorf no dia 11 de Outubro Joseph Beuys com mais 54 estudantes, invadem a secretaria da Academia de Artes de Dusseldorf. Beuys já havia programado a ação e havia escrito aos 125 canditatos que haviam sido recusados no processo de escolha através de portfólios. Dos 125, 54 compareceram à ação onde Beuys pleiteava a inserção e requeria a aceitação de todos os estudantes em sua classe!
Na noite da invasão Beuys recebe a carta de demissão assinada por Johannes Rau, em razão de aceitar estudantes em sua classe que foram recusados pelo processo de seleção. Para finalizar com a ação e manter a ordem, o ministro do estado ordena a retirada de Beuys e seus estudantes com a auxilio da força policial!
O registro da ação por Bernd Nanninga e que ano após se transformaria em uma edição de postais e cartazes, se tornou uma das imagens mais emblemáticas de Joseph Beyus, sorridente com um jeans surrado e um longo casaco, a foto mostra ele e seus alunos abandonando a secretaria da Universidade. Beuys defendeu a liberdade do indivíduo e repudiava as convenções e controle do estado, o com esta ação Beuys se vê diante, deste equipamento de manutenção da disciplina e ordem em nossa sociedade. A imagem em forma de postal torno-se um registro desta ação.
Joseph Beuys postal 1973 14.8 x 10.5 cm e edição em poster de 75 x 114,5 cm com unidades numerada e 5 exemplares assinados. |
"É a Demokratie é mesmo lustig" (1973)
domingo, 1 de julho de 2012
Al Berto . Coimbra . Janeiro 1992
Antes de começar a ler só queria perguntar-vos se vocês não são capazes de estar em silêncio cinco minutos com vocês mesmos para conseguirem estar em silêncio às vezes quando é necessário com os outros, e quem não gosta sai e volta a seguir porque se for um merda, deixem-me acabar, se faz favor, se for um merda com uma guitarra que faz três acordes vocês estão em silêncio porque se curte e é imensamente bom para a carola, a poesia, pá, lamento, boa ou má, talvez não fosse má ideia ouvir. E suponho que há montes de gente aqui nesta sala que nunca abriu um livro de poesia sequer. E é uma questão de respeito pelas outras pessoas e por aquilo que elas fazem. Eu vou dormir mas pagaram-me para estar aqui, inclusivamente, e eu não publico livros para idiotas. Importas-te de servir mais um que é para eu me animar? Eu estou bem, só preciso de um reforço aí no copo. O que eu acabo de dizer não obriga ninguém a gostar daquilo que eu escrevo, inclusivamente. Já começo, se for preciso eu espero. À vossa. Eu estou lindamente. Posso começar? Também me posso ir embora, de qualquer maneira não tem importância nenhuma, para mim é-me igual. Não, eu estou lindamente. Eu hoje estou numa de chato também, se não te importas, também tenho o direito. Agora é quando me apetecer também. E como eu não sou a Anabela, não canto, não é, é um problema, ela abre o gasganete, pá... Falta gelo, é horrível isto assim, não leio nada sem gelo, toma. Gelo aí para dentro. Eu já começo, eu vou ler, juro. Nem penses, agora é quando eu quiser. Não, Helder, tu não me conheces! Ouve lá, queres vir comigo? Vais tu primeiro! Agora começo quando me apetecer e se calhar nem sequer leio que é para chatear! Não, eu até me vou embora, não preciso de ler nada, eu. Eu não preciso de ler nada. Mas eu não preciso de ler nada! É-me igual, mais do que eu já bebi... costumo tomar o pequeno-almoço às 10 da manhã. Bom, eu vou tentar abstrair-me do som de fundo.
E um caralho para quem faz barulho.
Vocês são mesmo ordinários, foda-se. Acho que não leio mais nada, não me apetece. Não pensem que me vou embora sem dizer meia dúzia de coisas, eu por acaso lamento imenso que pessoas que têm um nível, penso eu, ou não têm, de facto, é a primeira vez que me acontece e devo dizer que desde 1985 que leio poemas em público, é a primeira vez que não consigo ler ou que estou a ler com imenso sacrifício porque é perturbante ter um barulho e a falta de respeito pelo trabalho dos outros, é a mesma coisa que eu entrar quando vocês estão a fazer exames e eu digo assim então e agora se fossem apanhar no cu, não é, é giro, é muita giro, é fresco, pá, é porreiro à brava. É mais ou menos a mesma coisa só que eu já não faço exames há vinte anos, sou profissional, no sentido que sou... eu sou escritor há vinte anos, há vinte anos que escrevo, há dez que publico neste país, tenho imensa pena da vossa ignorância, ou da ignorância de alguns. Primeiro, e as outras pessoas que aqui estão também, não estou sozinho, não estou, felizmente não estou sozinho! Porque está aqui o Manuel Fernando, está aqui o Helder Moura Pereira, o António Franco Alexandre, o Paulo da Costa Domingos, se vocês não conhecem são mais ignorantes que aquilo que eu pensava, mas muito mais. O que vocês precisam é de Saramagos, muitos. E mais mal escrito, porque ele até nem escreve muito mal. Lamento imenso, mas eu não vou ler mais nada, porque não é possível. As vaias fazem parte também de uma paixão, do mito. Muito obrigado. E eu só trabalho para o meu mito, mais nada. Agradeço aqueles que também me vaiaram porque estão a contribuir para isso, largamente, nesta cidade, sobretudo onde eu nasci, sobretudo na cidade onde eu nasci, é porreiro, porque é a primeira vez que fui vaiado. E é a primeira vez que não houve respeito por mim nem pelas outras pessoas que aqui estiveram, que estão de boa vontade e sem mais algum interesse. Muito obrigado, adorei o whisky que vim tomar a Coimbra. Não vou voltar tão cedo.
terça-feira, 26 de junho de 2012
imagens pesam mais do que o mar
alessandra negrinni como a vi em seus quarenta anos
ela não ri: move-se esquiva de um lado a outro
anda
a casa como se fizesse fotos
pés trocados olhar confuso
faz pose pra ele pra o deter de quem?
fisicamente opostos & partidos
o mundo vira de ponta-cabeça
ele a olha com expressão vazia
voz baixa fala devagar
diz ter um problema enorme
precisa urgentemente viajar
ir ao mar ao fogo às nuvens
“ou quem sabe de um bom xampu anticaspa”
sempre diz isso pra fazer as pessoas rirem
ela não ri ele pergunta “por que você não ri?”
desde pequena que não sabe
pés trocados olhar confuso
faz pose pra ele pra o deter de quem?
fisicamente opostos & partidos
o mundo vira de ponta-cabeça
ele a olha com expressão vazia
voz baixa fala devagar
diz ter um problema enorme
precisa urgentemente viajar
ir ao mar ao fogo às nuvens
“ou quem sabe de um bom xampu anticaspa”
sempre diz isso pra fazer as pessoas rirem
ela não ri ele pergunta “por que você não ri?”
desde pequena que não sabe
rir nem
dos pequenos dramas
“ria se alguém está sofrendo
perto de você – por causa de você”
pra ela o inferno é isso
ele nada sabe a respeito
não presta muita atenção
suspensa no ar sem deixar
“ria se alguém está sofrendo
perto de você – por causa de você”
pra ela o inferno é isso
ele nada sabe a respeito
não presta muita atenção
suspensa no ar sem deixar
ney ferraz paiva
CANTO VIGÉSIMO OITAVO
Tenho a impressão que a avareza
não é um defeito se acontece na velhice
quando o tédio já invadiu o cérebro.
A mim salvou-me aos setenta anos
quando uma tarde comecei a apagar as luzes
e meu irmão tropeçava por todo o lado.
Agora recolho os fósforos usados
(com algodão podem servir para limpar os ouvidos)
e de manhã à noite
tenho muito que fazer:
quero que meu irmão deite pouco açúcar
no leite e eu, guloso por mel,
lambo apenas uma colherzita ao domingo,
em pé, entre as duas portas do guarda-louça.
A toalha não é necessária, usámos um pedaço de papel
que depois serve também para acender o lume.
De noite se alguém se levanta
basta uma candeia enquanto o outro permanece no escuro.
Assim passa uma hora, passam duas, passa um mês
e a cabeça trabalha.
Tonino Guerra «O Mel», Assírio e Alvim
imagem: Saul Leiter
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Não leias odes, meu filho, lê os horários
(dos trens, dos ônibus, dos aviões):
são mais exatos. Abre os mapas náuticos
antes que seja tarde demais. Sê vigilante, não cantes.
Chegará o dia em que eles, de novo, pregarão listas
no portão e desenharão marcas no peito daqueles que dizem
não. Aprende a ir incógnito, aprende mais do que eu:
a mudar de bairro, de passaporte, de rosto.
Entende da pequena traição,
da salvação suja de todos os dias. Úteis
são as encíclicas para se fazer fogo,
e os manifestos: para a manteiga e sal
dos indefesos. É preciso raiva e paciência
para se soprar nos pulmões do poder
o fino pó mortal, moído
por aqueles, que aprenderam muito,
que são exatos, por ti.
Poema: Hans Magnus Enzensberger
Tradução: Kurt Scharf e Armindo Trevisan
Imagem: Carlos Vergara
quarta-feira, 2 de maio de 2012
adeus às coisas aqui embaixo
tento morrer
agora
que os cinquenta
anos
travam meus pés
numa armadilha
e a poesia
continua a ser
minha ocupação
não posso dar um
passo
à frente nem
atrás
preciso tentar a
morte
com determinação
atento à voz do Cosmo
aos gritos de Minerva
morrer no mais
refletido
onde chego a ser
dois
enxertado em livros
léxicos
tipografias
hastes
subterrâneas
sem nada levar
da arte
além da minha
loucura
poema: ney ferraz paiva
imagem: graciela itubirde
segunda-feira, 23 de abril de 2012
ERA UMA VEZ FERNANDO DINIZ
quis ser vilão de história em quadrinhos
anjo de rua com plumagem de pássaros
– isso de qualquer forma acabou sendo
paisagens estriadas desertos bifurcados
face selvagem martelada no painel caos
de longeva infância & breve vida adulta
tipo exato de louco que se quis moldar
pedra borboleta margarida estrela
pedra borboleta margarida estrela
razão limbo incerto da alvorada
Ney Ferraz Paiva
segunda-feira, 16 de abril de 2012
"cambridge", desenho de sylvia plath |
brasília
será que elas existem
essas pessoas com torso de aço
cotovelos e olhos alados
aguardando tufos
de nuvem, para lhes dar expressãoesses super-homens!
e o meu bebê deixado num prego
impulsionado, conduzidoadentro, grita, obeso
ossos exalam a distância.
e eu, quase extinta,seus três dentes de corte
– acertam meu polegar –
e a estrela,a velha história.
no caminho encontro ovelhas e vagões,
terra vermelha, sangue materno.ó tu que devoras
homens como raios de sol, deixe
este espelho, desfigurado, não redimido
pela aniquilação da pomba,
a glória
o poder, a glória.
sylvia plath, londres, 1962
livre versão: ney ferraz paiva
ao centro, quadro com o poema "brasília" ilustrado com o desenho "cambridge". exposição de sylvia plath na mayor gallery, londres, 2011. |
Will they occur,
These people with torso of steel
Winged elbows and eyeholes
Awaiting masses
Of cloud to give them expression,
Thes super-people! –
And my baby a nail
Driven, driven in.
He shrieks his grease
Bones nosing for distance.
And I, nearly extinct,
His three teeth cutting
Themselves on my thumb –
And the star,
The old story.
In the lane I meet sheep and wagons,
Red earth, motherly blood.
O You who eat
People like light rays, leave
This one
Mirror safe, unredeemed
By the dove's annihilation,
The glory
The power, the glory.
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domingo, 15 de abril de 2012
tédio
folhas de chá, negando visões de desastre,
prometem vida que não vai se cumprir:
o tédio cruza a palma de sua mão
mas nem a cigana prevê perigo aí.
estéril advertência: o cavaleiro ingênuo
recua aos dragões e ogres impotentes
enquanto princesas blasées consideram
absurdo inclinar-se, na arena, ao terror.
a besta, no bosque de henry james, não saltará,
ofuscando ainda mais a fama do herói em crise;
e quando anjos à espreita soarem a divina trombeta,
a uma plateia entediada ou, afinal, de olhar ansioso,
atenta ao desafio - não aos apelos e aos prêmios,
não deixará escapar pela porta da ruína, mulher e tigre.
sylvia plath
livre versão: ney ferraz paiva
terça-feira, 10 de abril de 2012
Protesto poético
Minha mãe enterrada
é exumada para reprises...
Agora querem fazer um filme
Para os incapazes
De imaginar o corpo
Com a cabeça no forno.
Os comedores de amendoim, divertidos
Com a morte de minha mãe, irão para casa ...
Talvez comprem o vídeo.
Só precisarão pressionar 'pause'
Se quiserem colocar a chaleira no fogo
Enquanto minha mãe segura sua respiração na tela
Para terminar de morrer depois do chá...
Eles pensam que eu deveria adorar ... eles pensam
Que eu deveria lhes dar as palavras de minha mãe
Para encher a boca de seu monstrengo
Sua Boneca Sylvia Suicida
Que vai saber andar, falar
E morrer quando eles quiserem
Morrer e morrer de novo
quarta-feira, 21 de março de 2012
Destruir o mistério é com efeito a maior das infâmias -
Não leio já; queria abrir um livro
Fernando Pessoa, FAUSTO, Tragédia Subjetiva
imagem: Yeong Deok
destruí-lo puramente claro. E como é arrepiadora e
genial, por isso mesmo,a concepção do seu Fausto!...
de uma carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa em 5-2-1916
Não leio já; queria abrir um livro
E ver, de chofre, ali, a ciência toda...
Queria ao menos poder crer que, lendo,
E em prolongadas horas lendo e lendo,
No fim alguma cousa me ficava
Do essencial do mundo, que eu subia
Até ao menos cada vez mais perto
Do mistério... Que ele, inda que inatingido,
Ao menos dele que eu [me] aproximava...
Não fosse tudo um (...)
Como uma criança que a fingir sobre
Uns degraus que pintou no chão...
Não leio. Horas intérminas, perdido
De tudo, salvo de uma dolorosa
Consciência vazia de mim próprio,
Como um frio numa noite intensa,
Em frente ao livro aberto /vivo e morro/...
Nada... E a impaciência fria e dolorosa
De ler p’ra não sonhar, e ter perdido
O sonho! Assim como um (...) engenho
Que, abandonado, em vão trabalha ainda,
Sem nexo, sem propósito, eu môo
E remôo a ilusão do pensamento...
E hora a hora na minha estéril alma
Mais fundo o abismo entre meu ser e mim
Ditoso o tempo em que eu sonhava, e às vezes
Eu parava de ler para seguir
Os cortejos em mim... Amor, orgulho,
– Crenças inda! – pintavam os meus sonhos...
E com muita insistência [?], eu era (...)
O amante de belezas (...)
E o rei de povos vagos e submissos;
E quer em braços que eu sonhava, ou entre
As filas (...) prostradas, eu vivia
Sublimes nadas, alegrias sem cor.
Mas
Hoje nenhuma imagem, nenhum vulto
Evoco em mim... Só um deserto aonde
Não a cor dum areal, nem um ar morto
Posso sonhar... Mas tendo só a ideia,
Tendo da cor o pensamento apenas,
Vazio, oco, sem calor nem frio,
Sem posição, nem direção , nem (...)
Só o vazio lugar do pensamento...
Fernando Pessoa, FAUSTO, Tragédia Subjetiva
imagem: Yeong Deok
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