Se se pudesse somente provar o seu nada,
se se pudesse repousar no seu nada,
e que esse nada não fosse uma certa forma de ser,
mas também não fosse pura e simplesmente a morte.
É tão duro deixar de existir, deixar de estar dentro de alguma coisa.
A verdadeira dor é sentir em si o seu pensamento a deslocar-se.
Mas o pensamento como um ponto não é certamente um sofrimento.
Cheguei a um ponto em que não me agarro já à vida,
mas levo comigo todos os apetites e a titilação insistente do ser.
Já só tenho uma atividade, refazer-me
Antonin Artaud, O Pesa-nervos, tradução Joaquim Afonso
imagem: Graeme Mitchell
à procura de uma linguagem inabitável louca desgarrada é ela que traz água aos moinhos
o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)
terça-feira, 6 de julho de 2010
domingo, 4 de julho de 2010
UM HOMEM SEM TROCADO - POETA NUM PAÍS DEFUNTO!
que merda saber que o ROBERTO PIVA morreu! que merda saber que este país de merda nem se deu conta disso. que não lê PIVA na escola, nem nas universidades. que não lê quase em lugar nenhum - será que por se tratar de um poeta da cultura das drogas e do homossexualismo? - êta país cafona! ou será pela burrice? idiotice daqueles que se deixam sacanear pelo lixo massificado do mercado livreiro-editorial desse país de merda. esse mercado escroto, que controla as escolas e a cabeça da juventude - e lucra sem mais poder, incontrolavelmente.
e o poeta grandioso, culto, que melhora o mundo vive e morre à mingua, sem plano de saúde, completamente desfavorecido. até quando vamos ter que vender nossos livros (e por vezes a alma) por míseros 5% do valor de capa - entre tantos desprestígios que nos são reservados? uma bosta mesmo esse país que chora todo domingo gols perdidos e desconhece o que de fato é negado, arrancado a todos nós. e não vê nisso violência, aviltamento, falência múltipla do corpo social. tô puto disso! ROBERTO PIVA, VALEU! ir de volta às paisagens noturnas da carne a que devoras...
segunda-feira, 21 de junho de 2010
A morte trabalha conosco no mundo: poder que humaniza a natureza, que eleva à existência o ser, ela está em nós, como nossa parte mais humana; ela é morte apenas no mundo, o homem só a conhece porque ele é a morte por vir. Mas morrer é quebrar o mundo: é perder o homem, aniquilar o ser; portanto, é também perder a morte, perder o que nela e para mim fazia dela morte. Enquanto vivo, sou um homem mortal, mas, quando morro, cessando de ser um homem, cesso também de ser mortal, não sou mais capaz de morrer, e a morte que se anuncia me causa horror, porque a vejo tal como é: não mais morte, mas a impossibilidade de morrer.
Maurice Blanchot
Maurice Blanchot
domingo, 20 de junho de 2010
hoje 20 de junho aniversário de MAX MARTINS - este poema foi publicado no seu último livro COLMANDO A LACUNA (2001) e fala deste dia que se repetiu felizmente por 82 anos. max, um velho que sabia - um menino que brincava. temos saudades!
OS ANOS DESTE DIA
Calar também o lado só
de estar
De agora estares
a cuspir o gosto
de despojo
de tua alma
quente
na tua boca
o alto mar da fala
desfalecendo
neste velho dia
como um cão
no fundo
do fundo de si mesmo
exausto
MAX MARTINS
imagem: Octávio Cardoso
OS ANOS DESTE DIA
Calar também o lado só
de estar
De agora estares
a cuspir o gosto
de despojo
de tua alma
quente
na tua boca
o alto mar da fala
desfalecendo
neste velho dia
como um cão
no fundo
do fundo de si mesmo
exausto
MAX MARTINS
imagem: Octávio Cardoso
sábado, 19 de junho de 2010
OS MORTOS
As covas cada vez mais fundas.
A cada noite os mortos mais mortos.
Sob os olmos e a chuva de folhas,
As covas cada vez mais fundas.
Rajadas escuras de vento
Cobrem a terra. A noite é fria.
Folhas voam contra as pedras.
A cada noite os mortos mais mortos.
Abraça-os a noite sem estrelas.
Seus rostos se apagam.
Não podem lembrá-los
Com suficiente nitidez. Nunca poderemos.
Mark Strand
Imagem: Frank White
As covas cada vez mais fundas.
A cada noite os mortos mais mortos.
Sob os olmos e a chuva de folhas,
As covas cada vez mais fundas.
Rajadas escuras de vento
Cobrem a terra. A noite é fria.
Folhas voam contra as pedras.
A cada noite os mortos mais mortos.
Abraça-os a noite sem estrelas.
Seus rostos se apagam.
Não podem lembrá-los
Com suficiente nitidez. Nunca poderemos.
Mark Strand
Imagem: Frank White
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Verão com Max
Na volta do lago,
passando as lentas cabines
sob o Loser
(madeira ressoante
inchada de sombra
e vozes, oeste-estanque, sol na mata)
afrouxo a marcha,
ponho pedras no sapato,
ando teu passo. Para te acompanhar.
Tua mão come
na minha mão.
Sou teu pai: "És meu pai."
Age de Carvalho, Caveira 41. 7 letras
imagem: Béla Borsodi
Na volta do lago,
passando as lentas cabines
sob o Loser
(madeira ressoante
inchada de sombra
e vozes, oeste-estanque, sol na mata)
afrouxo a marcha,
ponho pedras no sapato,
ando teu passo. Para te acompanhar.
Tua mão come
na minha mão.
Sou teu pai: "És meu pai."
imagem: Béla Borsodi
quarta-feira, 16 de junho de 2010
lágrimas amargas de rainer werner fassbinder
fazer alguma outra coisa próximo às estrelas
(mas eu não quero que vocês me amem)
fazer alguma outra coisa sob águas profundas
(mas eu não quero que vocês me lembrem)
fazer alguma outra coisa contra o sofrimento
(mas eu não quero que vocês me perdoem)
fazer alguma outra coisa entre o amanhecer & o fim
(mas eu não quero que vocês me tirem das profundezas do silêncio)
o amor
mesmo o mais forte
é mais frio do que a morte
estou a ponto de vomitá-lo da minha boca
ney ferraz paiva
fazer alguma outra coisa próximo às estrelas
(mas eu não quero que vocês me amem)
fazer alguma outra coisa sob águas profundas
(mas eu não quero que vocês me lembrem)
fazer alguma outra coisa contra o sofrimento
(mas eu não quero que vocês me perdoem)
fazer alguma outra coisa entre o amanhecer & o fim
(mas eu não quero que vocês me tirem das profundezas do silêncio)
o amor
mesmo o mais forte
é mais frio do que a morte
estou a ponto de vomitá-lo da minha boca
ney ferraz paiva
terça-feira, 15 de junho de 2010
MORRER É UMA COISA INDESTRUTÍVEL (manoel de barros)
-INTERRUPÇÃO-
HOMENAGEM A WILSON BUENO HOJE CASA DAS ROSAS 19:30 h - que bom que assim se faça. daqui mando minha homenagem: wilson bueno nos seus 61 anos de vida, bem como nos anos de literatura, foi mais do que uma aparição - alimentou nosso pensamento, ajudou-nos a afrontar um pouco mais o cotidiano, a agitá-lo, a nos pôr em movimento. homem e escritor intenso, inseparáveis - um acontecimento que nenhuma literatura pode dispensar, se dar o luxo de perder - e nós o tivemos, o temos e vamos continuar a ter e a amar.
ney ferraz paiva
-INTERRUPÇÃO-
HOMENAGEM A WILSON BUENO HOJE CASA DAS ROSAS 19:30 h - que bom que assim se faça. daqui mando minha homenagem: wilson bueno nos seus 61 anos de vida, bem como nos anos de literatura, foi mais do que uma aparição - alimentou nosso pensamento, ajudou-nos a afrontar um pouco mais o cotidiano, a agitá-lo, a nos pôr em movimento. homem e escritor intenso, inseparáveis - um acontecimento que nenhuma literatura pode dispensar, se dar o luxo de perder - e nós o tivemos, o temos e vamos continuar a ter e a amar.
ney ferraz paiva

Vi uma foto de Anna Akhmátova
numa oferta de segunda mão
em livraria de terceira
fechando as portas também baratas
em liquidação de quarta despedida
dos leitores de páginas impressas
à tinta das antigas tipografias
condenadas aos museus,
setor dos tipos móveis de Gutemberg
que não mais importa
VI UMA FOTO DE ANNA AKHMÁTOVA, livro do extraordinário escritor FERNANDO MONTEIRO, editado pela Fundação de Cultura Cidade do Recife,
leia-se: Heloísa Arcoverde de Morais, 2009.
imagem: Kerstens
domingo, 13 de junho de 2010
Escrevo para me percorrer, Henri Michaux

Há doenças que, quando curadas, deixam o homem sem mais nada, Henri Michaux.
Tinha mais do que cinco sentidos, disse-o num dos seus poemas. “O da falta”, era um deles. Ou “seria antes uma grande floresta, daquelas que já não existem na Europa há muito tempo”?
Percorreu os territórios sensoriais e geográficos contra os incêndios que deflagram nas “florestas” mais íntimas e oclusas do ser.
Foi queimador de ópio na Ásia; foi “queimador” de charque e ayohasca na Amazônia; da morfina parisiense ou da mescalina no Cairo (experiências de pouca monta), mais do que tudo, foi um queimador de paisagens interiores. Fogos vitais a que supra-viveu; outros, nocivos e pouco fátuos, levaram-lhe partes da vida (Marie Louise Ferdière, sua mulher, Alfredo Gangotena, poeta-companheiro de viagem, Susana Soca, amiga íntima, todos morreram queimados).
Vida poética também inspirada pelo vazio (Michaux dixit), pela força furibunda do vazio. Vazio e fogo, o rastilho existencial deste homem de coração débil, “pequeno buraco no peito” do qual sobrava sempre a lavra da poesia (da sua poética), medonhamente inextinguível.
Ferida aberta que devora, tritura, aniquila aniquila, tritura, devora. É impossível a fixação dos seus textos: fugidios, escapáveis, metamorfoses furtivas, degenerativos, “meidosens”… Michaux foi sensacionista pessoano sem fronteiras e limites de heteronímia. “Tão-pouco quero reproduzir seja o que for do que já está no mundo”.
Assim jogou tudo – vida-morte, lucidez-loucura – com a sua própria pele; ajustou contas consigo e com o mundo através das suas artérias. “Escrevo para me percorrer. Pintar, compor, escrever: percorrer-me. Reside nisto a aventura de estar vivo”.
Henri Michaux
Imagem: Helena Almeida

Há doenças que, quando curadas, deixam o homem sem mais nada, Henri Michaux.
Tinha mais do que cinco sentidos, disse-o num dos seus poemas. “O da falta”, era um deles. Ou “seria antes uma grande floresta, daquelas que já não existem na Europa há muito tempo”?
Percorreu os territórios sensoriais e geográficos contra os incêndios que deflagram nas “florestas” mais íntimas e oclusas do ser.
Foi queimador de ópio na Ásia; foi “queimador” de charque e ayohasca na Amazônia; da morfina parisiense ou da mescalina no Cairo (experiências de pouca monta), mais do que tudo, foi um queimador de paisagens interiores. Fogos vitais a que supra-viveu; outros, nocivos e pouco fátuos, levaram-lhe partes da vida (Marie Louise Ferdière, sua mulher, Alfredo Gangotena, poeta-companheiro de viagem, Susana Soca, amiga íntima, todos morreram queimados).
Vida poética também inspirada pelo vazio (Michaux dixit), pela força furibunda do vazio. Vazio e fogo, o rastilho existencial deste homem de coração débil, “pequeno buraco no peito” do qual sobrava sempre a lavra da poesia (da sua poética), medonhamente inextinguível.
Ferida aberta que devora, tritura, aniquila aniquila, tritura, devora. É impossível a fixação dos seus textos: fugidios, escapáveis, metamorfoses furtivas, degenerativos, “meidosens”… Michaux foi sensacionista pessoano sem fronteiras e limites de heteronímia. “Tão-pouco quero reproduzir seja o que for do que já está no mundo”.
Assim jogou tudo – vida-morte, lucidez-loucura – com a sua própria pele; ajustou contas consigo e com o mundo através das suas artérias. “Escrevo para me percorrer. Pintar, compor, escrever: percorrer-me. Reside nisto a aventura de estar vivo”.
Henri Michaux
Imagem: Helena Almeida
Assinar:
Postagens (Atom)