o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012



AMAR NO LIMIAR DE COISAS GRANDES A VIR


Em "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë, Heathcliff condena o espírito de Catherine, a mulher amada, a vagar pela terra e a não encontrar descanso, porque não suportaria continuar a viver sem ela por perto... Os Diários de Sylvia Plath apresentam intensas variações e correlações de um amor que condena o outro a se estratificar, a não poder escoar com o passar do tempo, em datas e velocidades muito diferentes, assim como a vida é, quer ser e não admite impunemente qualquer retardamento, sem rupturas e precipitações trágicas. Incluo abaixo excertos desses Diários de Sylvia, uma espécie de organismo duplo da vida da poeta, que se desfaz, reduz, bem ao contrário do esplendor pretendido...


Para mim, o presente é para sempre, e o eterno está sempre mudando, fluindo, se dissolvendo. Este segundo é vida. E quando passa, morre. Mas você não pode recomeçar a cada novo segundo. Tem de julgar a partir do que já está morto. Como areia movediça... invencível desde o início. Uma história, uma imagem, pode reviver algo da sensação mas não o bastante. Nada é real, exceto o presente, e mesmo assim já sinto o peso dos séculos a me esmagar. Uma moça, há cem anos, viveu como vivo. E ela está morta. Sou o presente, mas sei que também passarei. O movimento culminante, o relâmpago fulgurante, chega e some, contínua areia movediça. E eu não quero morrer.

(página 22, escrito em 1950)



Na superfície, ela é agradável, solícita: dedicou a vida inteira aos filhos e agora eles podem se dedicar a ela, porque precisam fazer com que viva preocupada preocupada preocupada? Teve uma vida difícil: casou-se com um homem, empurrada pelo desespero de estar chegando aos trinta, ele era mais velho que sua mãe e tinha outra esposa no Oeste. Casou-se em Reno. Ele ficou doente no momento em que o pastor disse que podiam se beijar. E mais doente a cada dia. Ela concluiu que ele era um bruto e que não poderia, não queria amá-lo. Ficou no chuveiro, esforçando-se para gostar do calor da água que molhava seu corpo, pois odiava o miserável. Ele se recusava a consultar um médico, não acreditava em Deus e no recôndito do lar idolatrava Hitler. Ela sofria. Casou-se com um sujeito a quem não amava. Os Filhos foram sua salvação. Ela os colocou em Primeiro Lugar. Ela ficou lá, amarrada nua nos trilhos e o trem da Vida avançando, fazendo a curva, apitando. (...) 
Ela voltou para casa chorando feito um anjo certa noite e me acordou e contou que Papai tinha ido embora, estava morto, como diziam, e nunca o veríamos de novo, mas nós três ficaríamos juntas para sempre e teríamos uma vida boa, de todo modo, só de birra. Ele não deixou nem dinheiro para o enterro, perdeu tudo em ações, do mesmo jeito que o pai dela, foi horrível. Homens homens homens. 
A vida era um inferno. Ela tinha que trabalhar. Ser empregada e mãe, homem e mulher, num único corpo ulcerado. Ela furtava. Catava coisas no lixo. Vivia sempre com o mesmo casaco puído. Mas os filhos tinham uniformes escolares novos e sapatos adequados. Aulas de piano, aulas de viola, aulas de trompa, de pistões. Eram Escoteiros. Frequentaram acampamentos no verão e aprenderam a velejar. Um deles foi para a escola particular, ganhou uma bolsa e tirava notas altas. Com toda a honestidade e do fundo de seu coração infeliz ela arranjou forças para dar àquelas crianças inocentes as alegrias que jamais desfrutara. Vivera num mundo medonho. Mas os filhos foram para a faculdade, a melhor do país, somando bolsas de estudo, seu próprio trabalho e o dinheiro dela, e não precisariam estudar comércio e coisas menores. Um dia eles se casariam por amor amor amor e teriam dinheiro de sobra e tudo ficaria bem a não mais poder. Eles nem precisariam sustentá-la na velhice.
(...)
Quanto a mim, jamais conheci o amor de um pai, o amor de um homem sólido, com laços de sangue, 
após a idade dos oito anos. Minha mãe matou o único homem que me amaria incondicionalmente pela 
vida fora: apareceu certa manhã com lágrimas generosas nos olhos e contou que ele se fora para sempre. Eu a odeio por isso. 
Eu a odeio porque ela não o amava. Ele era um ogro. Mas sinto sua falta. Ele era velho mas ela quis se casar com um velho e quiz que ele fosse meu pai. Era culpa dela. Os olhos dela que se danem.


Eu odeio os homens porque eles não ficam sempre a meu lado e não me amam como um pai: eu poderia fazer furos neles e mostrar que não havia recheio de pai. Eu os instigava se declarar e depois dizia que não tinham a menor chance comigo. Odiava os homens porque eles não precisavam sofrer como as mulheres sofriam. Eles podiam morrer ou ir para a Espanha. Eles podiam se divertir enquanto uma mulher sofria as dores do parto. Eles podiam jogar enquanto a mulher suava para economizar a manteiga do pão. Os homens, nojentos e vagabundos. Eles pegavam o máximo que podiam e depois tinham ataques de fúria, ou morriam ou iam para a Espanha que nem o marido da fulana de lábios carnudos.

Arranje uma imitação de homem, pequeno, miúdo, confiável, amoroso, uma gracinha que lhe dê filhos e pão e um teto seguro e um gramado verde e dinheiro dinheiro dinheiro todos os meses. Compromisso. Uma moça esperta não pode ter tudo o que deseja. Arranje o melhor que puder. Pegue qualquer um que valha pena você possa controlar e dominar com doçura. Não deixe que fique nervoso ou morra ou vá para Paris com a secretária gostosa. Faça tudo para ele ser bom bom bom.

(...) 
(páginas 497 a 500, 12/12/1958)

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