o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Literato Cantabile





Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;

agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam assim:
do precipício:
a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido
mudar de idéia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício.
e não se sabe nunca mais do fim. 

agora o nunca.
agora não se fala nada, sim. fim, a guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.
você não tem que me dizer
o número do mundo deste mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo
só tem que me dizer
o nome da república ao fundo
o sim do fim
do fim de tudo
e o trem do tempo vindo;
não tem que me mostrar
a outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de idéia. é proibido
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento. 


torquato neto, os últimos dias de paupéria
imagem: francesca woodman

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