A
dança dos fantasmas
Sobre
as figuras de Ney Ferraz Paiva
Por Nilson Oliveira
Detetive sem mistério, Ney Ferraz Paiva, colagem, 2017. |
As figuras de «Numa gaiola com pombos como Magritte»
gravitam em instigante jogo de acoplamento e montagem, num movente espiral,
cujas formas oscilam cintilando grafias, imagens, traços, rasgos, numa
composição plena de margens e atritos. Por vezes são figuras sobrepondo
figuras, constituindo uma vertiginosa poética das disjunções.
Tais figuras/espectros, nessa linha de montagem e
desmontagem, irrompem para fora de toda quietação, desordenando identidades,
num fluxo de erupções e desassossegos.
São sombras sem sombra, rostos realçados pelo fulgor
de uma fenda imprecisa. Por vezes estão sós, acuados entre a desordem da tela e
o arco vazio da moldura branca. Mas, por outras, acoplados a coisas, a uma
máquina, a um fantasma, ou a outrem, com o riso mais comum — remota
singularidade. Todos, nesse fundo sem fundo, com Magritte, imersos no mistério
do caminho.
Seguindo tranquilamente o caminho, Ney Ferraz Paiva, colagem, 2016. |
Das figuras, neste abismo de gaiolas e pombos, cruzam
a cena, Haroldo Maranhão, Sylvia Plath, João Cabral de Melo Neto, Max Martins.
Todos, numa sensível relação de metamorfose entre o espaço, a escritura e o
vazio.
Vigoroso elo entre corpos e escritas, cujos
desdobramentos implicam numa experiência: a ideia da colagem — zona
de cópula e atrito — efusão
de cortes e suturas, imagens contrabandeadas, devaneios do resto, garatujas.
Essas experiências derivam de forças imperceptíveis — cubismo,
surrealismo, arte pop — na
direção do vitalismo possível no espaço do fazer artístico. De outro modo, se
articulam na interface dos combates entre imagem e poesia, na cadência de um
pensamento no qual o gesto se consagra nas distinções entre o mundo — da
literatura — e
o que pulsa na imprecisão do fora mais longínquo.
Nesses pouco mais de 20 anos de poesia, os caminhos de
Ney Ferraz Paiva sempre foram antípodas do repouso, no trabalho braçal do
poema, de jornada em jornada, na inquieta busca da poesia.