POESIA DE AMOR – AMOR PELA POESIA: E NÃO HÁ PROVAS DE QUE EROS NOS PERDOA
Os
poetas brasileiros não morrem em revoluções.
Quando
elas acontecem, os bardos nacionais
preferem
segurar os empregos.
Na
Revolução de 30 não morreu um só Dante
de
Cascadura para contar como é descer ao inferno.
Fernando
Monteiro, Vi uma foto de Anna Akhmátova
UM
GRANDE PROBLEMA talvez não mais da Poesia e sim dos poetas no Brasil, dos
poetas que vão aparecendo cada vez mais cedo com novos livrinhos gestados na
toxidade noturna da internet ou do mercado editorial – esse que principalmente anuncia a baixo custo e sob demanda a um país que não lê, que não lê sobretudo poesia, o Grande e
Desmesurado Poeta do Dia para uso compulsório do leitor incauto,
pois bem, talvez o grande problema, que também muito contribua para que essa
maquinaria opere observando leis, editais, prêmios, festas e etiquetas próprias,
deixando à parte a divulgação, circulação, ampliação e discussão da Poesia, seja o fato de
que os poetas, entregues a seus transes festivos, amem cada vez mais não a
Poesia (substância maior que o Estado parece querer banir com
as suas instituições desestabilizadoras da cultura), mas apenas a
“sua” diluída e hibridizada poesia, conectada a seu próprio umbigo e revestida de desimportância exemplar. Poetas amantes de
si mesmos. Jovens e não velhos sem idade, que bem ao contrário do vinho, não melhoram com o
passar dos anos, apenas envelhecem, pioram a safra e reprisam o ciclo
decadente. Atados a uma mesma teia cada vez mais estranha à Poesia e a seu
desenvolvimento como organismo relevante. E de igual modo que falar inglês não
resulta no estabelecimento de uma comunicação global, o declínio da Poesia também nos ambientes de cultura aparentemente cultos não se reverte pelo anúncio
e acúmulo sucessivo dos nomes e dos respectivos “livros à mão cheia”. O
mercado, neste caso também, não de amor, mas de amplo negócio, não é a melhor
reação. Ele não tem como fecundar, renovar e ampliar as possibilidades de
acesso e circulação, incendiando corações e mentes dos novos leitores com a Poesia, este Amor que
quando se revela é sempre uma descoberta revolucionária – “crescer, criar,
subir”. Amor pela Poesia. Nele e através dele, diz Mário Faustino, não há a
imprecisão do “etc”. Com o surgimento da internet e da tecnologia digital esse
Amor não prosperou. Ampliaram-se às escâncaras os egos invioláveis. Os tributos ao “eu” e ao “meu”. Território de livre circulação de toda
sorte de investidas, a Poesia perde espaço. Apequenada, energia reduzida à
baixa intensidade, o mercado a colocou sob sua cúpula como objeto estático,
dependente e isolado. E apenas pelo efeito ilusório das vitrines a Poesia
aparenta ter sido prolongada em redes como os outros segmentos. Resulta disso que raros livros quase imperceptivelmente como este Vi uma foto de Anna Akhmátova, Fernando Monteiro, Fundação de
Cultura Cidade do Recife, 2009, a prorrogam com força e intensidade próprias
desde uma ida banal à padaria na esquina, ao bar ou à praia até uma viagem
incomensurável para o outro lado do mundo, com o qual os grandes mercados
turísticos das Festas, Feiras e Bienais estão de passos firmados e não trocados e por
isso não têm como enlaçar as mãos num mesmo momento de afeto. Inverossímil
Viagem de Amor. Não apenas por um deslocamento subjetivo entre Brasil,
Ucrânia e Rússia, é o que esta escrita promove, sem medir nem desmentir a
distância entre uma Akhmátova e uma Clarice (lado a lado a outras articulações:
Hilda Hilst, Adélia Prado, Olga Savary, Marize Castro) – não mais uma viagem
pelo “Mesmo” como tantas histórias a contar ou a representar os dias adversos,
aqui e alhures; não mais um “poema-clichê de sofrimentos/de poetas
perseguidos”. Antes, uma poesia de deslocamentos, que reflete inclusive as
condições de leitura de duas grandes escritoras em variados e revezados trânsitos
de importância, tentando escapar sobretudo ao intimismo a que sempre são
lançadas. Fernando Monteiro não ilustra quem tenha sido Anna ou Clarice. Ele
relaciona. Parte de uma imagem a outra, sobrepondo-as, sem atá-las uma à outra.
De uma Anna correlata a uma Clarice. Do Recife intercambiável a Tchechelnik Moscou
Maceió Paris Pequim ou a que não lugar
mais seja – ali onde somem. Na foto como no poema o que se quer abordar são
terras desconhecidas. Conectar o que está por vir. Não a paisagem e sim a vida
como uma estranha jornada. “Você pode ver numa foto o que não está nela”. Variações
e revezamentos do olhar. O conciso. A nuance. O espelho. “Se eu errei ao nascer,/ela errou
ao dar a luz./Se eu estou ainda aqui,/ela não está mais”. Ver Anna Akhmátova
implica ver o impreciso que se é: episódios imperfeitos, evanescentes de
calmaria e indiferença. Ainda que Clarice tenha flertado como jornalista com o
mundo insípido da moda, não posou nunca como a mulher de um futuro ideal,
utópico, lunar (“Princesa da Lua, por que você voltou?”), senão como a
sobrevivente desfavorecida num ambiente de cultura que nem mesmo ainda hoje
pode admitir uma “Esparta moderna”. A imagem de uma se conecta a outra, duas
(quantas?) replicadas mulheres desmunidas de afeto, proteção, luxo, lançadas ao
jogo de se prender e se soltar antes de se esgotarem os prazos. Embaralhadas e
sempre dispostas ao combate. Escapar às ratoeiras domésticas da casa (apanhar
depois de cozinhar bolos etc.) ou às ratoeiras das vitrines da vida cultural
moderna. “Clarice não podia ter saudade/ de dois meses de vida em Tchechelnik,/
na Ucrânia de árvores nacaradas”. De que poderia ter saudade Clarice? “da casa
entre movelarias e sebos/vinda da Ucrânia para o coração/deste bairro de
esquecidos”, “do centro da cidade onde viveu/a descoberta do mundo no Recife”,
“de imigrantes deslocados”? Clarice-criança não tinha como saber que moveria
esse mundo morro acima para o lado da modernidade. Essa Clarice de quem temos
que ter saudade. Da adolescente que deu a ver a linguagem daí há pouco definida
mundo afora como “clariceana”, a que de cara soube escapar ao modo burocrático
de lidar com a escrita no espaço público (jornalismo, universidade, diplomacia),
onde a mulher ainda ocupa funções anônimas, e ela nos chega muito mais como
singularidade a se prorrogar do que como originalidade pueril. Quantas Clarices
aí? (“ainda que vivas outra vida, não há saída”). A casa, o sobrado dos
Lispector ficou só. Como tende a desaparecer uma outra casa habitada por fantasmas (Volódia, Nikolai, Elena...), onde Akhmátova reforma aqueles versos: “Esta mulher está só” vira: “Esta mulher está no fim”. De que vida Akhmátova poderia ter saudade se
perdeu todas de antemão? "A minha vida foi uma roda de enganos". Na roda de azar ela perde tudo e todos. Lev, o filho, que vieram buscar como o pai e o amante sem
acusação formal, sem julgamento, para ser morto? Ela própria uma mulher com vontade de morrer, encadeada a tantos outros finais, a coisas que se partem sem conserto algum. Mas não tem escolhas: terá que engendrar a si mesma como poeta e ocupar um
lugar nunca antes reservado à mulher na literatura russa. Desenfreada,
irreverente, desconcertante – em posição de permanente ataque e afrontamentos, ativa, que,
portanto, prejudicou a si própria. Nos espaços codificados da guerra o êxito da
mulher se duplica em um fracasso ainda mais profundo. (“tantos poetas
mortos,/tudo fazia crer/que algo andou errado/muito errado). A Poesia é um
esgotamento que se reveza e ramifica desde o corpo até o poema. Fernando
Monteiro o inventa a seu modo – o modo do grande poeta que se põe a desfalecer,
ele mesmo, no que escreve. A fadiga de um poema longo, como almejava Mário
Faustino e que Monteiro acata, realiza e sai de cena, pois agora que vai
escrever sequer pode escovar os dentes. Quede o poeta? Irreconhecível no fedor
intenso do livro. Pouco dele resta aí como autor, mas um pedaço generoso como
escritor, no livro de uma editora não comercial, de Fundação sem fundos
(leia-se: grana), mas de gente atenta e sensível. Não entra nem a gravata,
sequer a foto de orelha. Nada se vê como figurações; tudo é Poesia. Amor
precipitado que Fernando Monteiro nutre pelo livro que resolveu fazer para ver de perto uma vez mais Anna Akhmátova e mirar a seu lado ("Você pode ver numa foto o que não está nela") Clarice Lispector, os olhos atentos a todos os grandes livros que amou, entre eles um “muito velho”, “de capas
vermelhas”, PÉROLAS DA POESIA RUSSA escrito “na lombada desbotada” – nunca deixado para trás.
Anna Akhmátova e Clarice Lispector |
NEY FERRAZ PAIVA
Poeta Ney Ferraz Paiva, quero saber de vc. O q anda fazendo e escrevendo. Lembra de "Os cavalos de Dom Ruffato"? e da noite ébria q bebemos em Recife? Tanto tempo, não sei qdo, mas aconteceu. Teus dois livros de Recife tenho comigo para releituras. Vou atrás do seu "Arrastar um Landau debaixo d'água" da Patuá do meu amigo Eduardo lacerda. Deixei a distranter-e-sina, e estou há sete anos em Sampa. Envia, por favor, seu endereço. Quero encaminhar meu livro premiado e editado em Portugal, recentemente "De Dentro de Mim Partiu a Última Caravela". Pode encaminhar ao meu e-mail: rube.rv2@hotmail.com
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