ney ferraz paiva
à procura de uma linguagem inabitável louca desgarrada é ela que traz água aos moinhos
o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)
sábado, 1 de setembro de 2012
Nos dias que antecederam o início da guerra do Iraque, Colin Powell, secretário de Estado norte-americano, ao discursar na ONU, determinou-se que se cobrisse com uma cortina uma réplica de "Guernica", ali instalada. A ONU está longe de ser uma instituição cultural e artística (a menos que se fale da arte das guerras), mas não raro as próprias instituições culturais não fazem mais do que isto: correr a cortina sobre a obra de arte. No mundo clássico a arte está nas ruas. Ela fala nas ruas aos passantes. Dispensa críticos, curadores, especialistas. Não há ainda formas de mediar a individuação. Todos sabem como isso tudo muda e chega-se até aqui - à bilheteria. Ao espaço fechado e controlado dos museus, bibliotecas, teatros, galerias. Que mais do que dizer o deve ser visto, escolhem, elegem, disseminam. Vivemos as indiferenciações dos editais, das leis de patrocínio, dos prêmios de toda ordem. Vejam o retrospecto dos que os vencem e se perceberá o engodo da diversidade e da variação dos regimentos - os louros passam de um a outro e voltam entre eles. Explica-se aos que ainda não entenderam como tudo se dá: são sempre os mesmos, numa repetição que arromba a todos a percepção e os sentidos. Como diz Deleuze, "repartimos o espaço fixo entre os sedentários, segundo demarcações e cercados". Os panos de fundo e as cortinas "promovem" as invariações de cena. A repetição das falas e das vozes imperiais dos mestres de cerimônia - à parte o gracejo, o riso amarelo, os nervos medicados. Todos sabem como se chegou a isso. À magia dos olhos que se cerram.
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
terça-feira, 28 de agosto de 2012
aulas
de equitação com sylvia plath
livros não dizem nem
cartomantes gregas
agamêmnon ou ésquilo não deram prova
sinal realmente claro – pistas ou rasuras
lacrado em sigilo todo
destino
você esperava vida longa em Devon
apaziguava crianças abelhas livros
datilografava enviava poemas
não
precisava de rimas mas de selos
atravessar
a cavalo paisagens recém-
brotadas em Londres
sair
da estrada ter que morrer uma vez em cada década
em
disparada oh Atena as retorcidas
rédeas da urgência
defensora protetora como foi a Ulisses
cavalgar
oh deusa cavalgar de uma maneira
que
transgrida estilos moldes
inertes
palavras
colocadas de saída já no desvio
a
morte agora ficou pra trás
entranhada
numa vegetação enganosa
livros não dizem nem
cartomantes gregas
agamêmnon ou ésquilo não deram prova
sinal realmente claro – pistas ou rasuras
lacrado em sigilo todo
destino
o tempo rigorosíssimo omitiu
chegar onde quer que seja
preparar-se pros enganos
areia transe rastro exílio
"Fumegantes, névoas espirituosas habitam este lugar./ Separada da minha casa por uma fileira de lápides./ Eu simplesmente não consigo ver onde estou para chegar." (Sylvia Plath, "A Lua e o Teixo") |
ney ferraz paiva
sábado, 25 de agosto de 2012
30 de Agosto, às 19h, o projeto SENDAS (pontos & fugas da linguagem) reinicia suas atividades com a palestra "Como se nasce numa ilha deserta?" do filósofo Eduardo Pellejero - seguida de lançamento da plaquete.
finalmente um filósofo-geógrafo em Belém com o "impulso" de falar das ilhas - separados, isolados em Belém sonhamos os recomeços, os reingressos, mas a que lugares? guiados por quem? financiados a que preço?...
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
eu queria estar com vocês hoje
ganhei coragem pra dizer a ela
não gosto de cindy
sherman
prefiro otto stupakoff ou larry clarck
por uma razão bem
simples
o mundo do homem em geral
tem menos constrangimentos
eles se dizem homens & são
o que anelam ser
mulheres se põem a discutir
personagens a que se
mesclam
auto-incluindo interioridades
dramas cenas de todo tipo
brutos disfarces entre
nós
eu prefiro francesca woodman
revoluteando o corpo cada vez
mais depressa
morta na sala: simples fácil alegre
ela se aproxima faz cintilar a cena
por danças metáforas em conexão
parece querer estar comigo hoje
arfa precipita-se contra a parede
tenta vencer pela velocidade
a dor
vê-se a câmera mexer tensão dos
corpos à maneira do
teatro de artaud
depois dela nenhuma mulher pode
dizer “eu sou
fotógrafa”
sem conhecer a bílis &
os rumores do gesto
sua espiral muito louca
sem aspirar ser cinema
sem soletrar literatura
ney ferraz paiva
imagem: francesca woodman
A Guerra de Dríade
ou
Volta a ser Eucalipto
O enorme cão abriu os olhos,
deu um salto e arqueando o dorso negro,
bem plantado em suas quatro patas,
uivou com uivo interminável:
que via com seis olhos injetados,
seus três focinhos contra quem ganiam?
via uma nuvem prenhe de centelhas,
via um par de olhos, via um gato montês,
o gato caiu sobre o cão,
o cão derrubou o gato,
o gato arrancou um olho ao cão,
o cão se tornou um ladrido de fumaça,
a fumaça subiu ao céu,
o céu se tornou tempestade,
a tempestade baixou armada de raios,
o raio incendiou o gato montês,
as cinzas do gato se espalharam
entre as quatro esquinas do universo,
o quarto se converteu em Saara,
soprou o simun e me abrasei em seu hálito,
convoquei os gênios da água,
o trovão rodopiou no terraço,
quebraram-se os cântaros de cima,
choveu sem parar durante quarenta relâmpagos,
a água chegou ao céu do teto,
no vértice da crista tua cama balouçava,
com os lençóis armaste um velame,
de pé na proa de teu esquife instável
tirado por quatro cavalos de espuma e uma
águia,
uma chama ondulante tua cabeleira elétrica,
levantaste a âncora, negaceaste o temporal
e te fizeste ao mar,
tua artilharia
disparava de estibordo,
desmantelava minhas premissas,
fazia em pedaços meus conseguintes,
teus espelhos ustórios
incendiavam minhas convicções,
recuei para a cozinha,
rompi o cerco no porão
escapei por um esgoto,
no subsolo achei tocas,
a insônia acendeu suas velas,
sua luz díscola iluminou minha noite,
inspirações, conspirações, imolações,
com fúria verde, uma chamazinha iracunda
e o maçarico de “vais me pagar!”,
forjei um punhal de misericórdia,
me banhei no sangue do dragão,
saltei o fosso, escalei as muralhas,
espreitei o corredor, abri a porta,
tu te olhavas no espelho e sorrias,
ao ver-me desapareceste num lampejo,
corri atrás dessa claridade desaparecida,
inquiri a lua de cristal do armário,
espremi as sombras da cortina,
plantado no centro da ausência
fui estátua numa praça vazia,
fui palavra fechada num parêntese,
fui agulha de um relógio parado,
fiquei com um punhado de ecos,
dança de sílabas fantasmas
na cova do crânio,
reapareceste num resplendor súbito,
levavas na mão direita um sol diminuto,
na esquerda um cometa de cauda vermelho-romã,
os astros giravam e cantavam,
ao voar desenhavam figuras,
se uniam, separavam, uniam,
eram dois e eram um e eram nenhum,
o dúplice pássaro de luz
aninhou em meus ouvidos,
queimou meus pensamentos, dissipou minhas
memórias,
cantou na jaula do cérebro
o solo do farol na noite oceânica
e o hino nupcial das baleias,
o punhal floresceu,
o cão de três cabeças lambia teus pés,
o espelho era um arroio reprimido,
o gato pescava imagens no arroio,
tu rias no meio do aposento,
eras uma coluna de luz líquida,
Volta a
ser eucalipto, disseste,
o vento agitava-me a folhagem,
eu calava e o vento falava,
murmúrio de palavras que eram folhas,
verdes cintilações, língua de água,
estendida ao pé do eucalipto
tu eras a fonte que ria,
vaivém das ramagens sigilosas,
eras tu, era a brisa que voltava.
Octavio Paz, de "Arbol adentro", 1987
tradução: Haroldo de Campos
imagem: Grete Stern
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
APRECIAÇÃO
O livro de Lyotard é ao
mesmo tempo disperso, fugidio em todos os sentidos e, todavia, fechado como um
ovo. O texto é ao mesmo tempo lacunar e enxuto, flutuante e ligado. Discours,
figure: nele, as figuras, mesmo as ilustrações, são parte integrante do
discurso; elas se insinuam no discurso, ao mesmo tempo em que o discurso
retorna às operações que as tornam possíveis. Esse livro é construído sobre
duas extensões heterogêneas que não se espelham, mas que asseguram uma livre circulação
de energia de escrita (ou de desejo?). Um ovo: meio interior variável sobre uma
superfície móvel. Esquizo-livro que, através de sua técnica complexa, atinge a
uma elevadíssima clareza. Como todos os grandes livros, difícil de se fazer,
mas não difícil de se ler.
A importância desse
livro está em ser ele a primeira crítica generalizada do significante.
Ele ataca essa noção que tem exercido há muito tempo uma espécie de terrorismo
nas belas-letras e tem até mesmo contaminado a arte ou nossa compreensão da
arte. Finalmente, um pouco de ar puro sob os espaços retrancados. Ele mostra
que a relação significante-significado encontra-se ultrapassada em duas
direções. Em direção ao exterior, do lado da designação, é ultrapassada pelas figuras-imagens:
pois não são as palavras que são signos, mas
elas fazem signos com os objetos que elas designam, objetos cuja
identidade elas quebram para neles descobrir um conteúdo oculto, uma outra face
que não se poderá ver, mas que, em contrapartida, fará “ver” a palavra (as
belíssimas páginas sobre a designação como dança, e a visibilidade da
palavra, a palavra como coisa visível, distinta ao mesmo tempo da sua
legibilidade e da sua audição). E a relação significante-significado
encontra-se ainda ultrapassada de uma outra maneira: em direção ao interior do
discurso, ultrapassada por um figural puro que vem agitar os desvios
codificados do significante, que vem introduzir-se neles e, também aí,
trabalhar sob as condições de identidade de seus elementos (as páginas sobre o
trabalho do sonho, que violenta a ordem da palavra e quebra o texto, fabricando
novas unidades que não são lingüísticas, que são outros tantos rébus sob os
hieróglifos).
Em todos os sentidos, o
livro de Lyotard participa de uma antidialética que opera uma reversão completa
da relação figura-significante. Não são as figuras que dependem do significante
e dos seus efeitos; ao contrário, é a cadeia significante que depende dos
efeitos figurais, que depende das figuras não-figurativas que fabricam configurações
variáveis de imagens, que põem linhas a fluir e as cortam segundo pontos
singulares, destroçando e torcendo tanto os significantes quanto os
significados. E tudo isso não é apenas dito por Lyotard, ele o mostra, faz ver,
torna-o visível e móvel: destruição de identidades que leva o leitor numa
profunda viagem.
. . .
Gilles Deleuze,
1972
tradução: Luiz
B. L. Orlandi
imagem: Nicole Wermers
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domingo, 19 de agosto de 2012
"E QUANTO A VOCÊ? QUE SÃO SUAS
'MÁQUINAS DESEJANTES’?"
Os leitores da revista Temps
Modernes encontrarão aqui um estranho dossiê. Pierre Bénichou expõe alguns
resultados de sua pesquisa sobre os masoquistas (os "verdadeiros"
masoquistas, aqueles que se infligem tratamentos muitas vezes graves e
sanguinários). Mas, para essa pesquisa, ele não se dirige aos masoquistas, não
os leva a falar. E, todavia, eles falariam de bom grado. Mas, ao falar, eles
entrariam num circuito pré-formado, pré-fabricado: o circuito de seus mitos e
fantasmas, e até mesmo o circuito de uma psicanálise sobre a qual, atualmente,
todo mundo tem uma ideia mais ou menos precisa, de modo que, de antemão, cada
um sabe vagamente aquilo que dele se espera, e responde Édipo ou papai-mamãe
logo que é interrogado. Enfim, todo esse mundo de interioridade do qual já
estamos profundamente enfadados.
Pierre Bénichou substitui a trindade
psicanalítica pai-mãe-eu por uma trindade bem diferente,
tira-prostituta-cliente. Seria precipitado dizer que ambas são a mesma trindade.
Em vez do sujeito que fala e do psicanalista que eventualmente escreve para
publicações científicas, tem-se o sujeito que não fala, que não tem o direito
de falar; ele apenas escreve, escreve as suas aspirações e seus pedidos, passa
um pequeno bilhete no qual emite críticas sobre a última sessão e expõe os seus
projetos para a próxima. Em contrapartida, a prostituta e o tira falam. A
pesquisa de Pierre Bénichou acrescenta à psicanálise aquilo que atualmente lhe
faz tanta falta: uma nova relação com o Fora.
É tudo o que se quer esperar no que
concerne à relação psicanalítica: uma inversão, uma caricatura, um
extraordinário retraimento. O masoquismo é a perversão por excelência que
passa pela forma de um contrato, mesmo que seja próprio desse contrato ser a
cada vez transbordado, desviado pelo capricho ou pela autoridade superior da
toda poderosa "Dona da casa". (Pierre Bénichou faz referência ao
pagamento mensal que dá direito a um número determinado de sessões.) É que, como na psicanálise, o
contrato toma aqui uma dimensão que não encontra equivalente alhures: não há
mais distinção possível entre as partes contratantes e o objeto sobre o qual o
contrato incide. Como diz Pierre Bénichou," o desvio sexual propriamente dito é o único domínio no
qual instaura-se uma relação direta. A prostituta faz mais que fornecer um
objeto, ela é esse objeto. Matéria
viva que escuta, grava, responde, questiona, decide; droga que fixa a sua
própria dose, bola da roleta que escolhe a casa na qual vai parar, obviamente,
sempre a errada. Ela tudo viu, tudo ouviu … E nada entendeu ? Pouco importa,
ela conta, ela sabe do que está falando, ela "conhece". Das duas
relações, a perversa e a psicanalítica, qual delas desfigura a outra?
Durante muito tempo a psiquiatria
foi uma disciplina normativa, falando em nome da razão, da autoridade e do
direito, numa dupla relação com os asilos e os tribunais. Depois veio a
psicanálise como disciplina interpretativa: loucura, perversão, neurose;
procurava-se descobrir o que isso "queria dizer", por dentro. Hoje,
reclamamos os direitos de um novo funcionalismo: não mais o que quer dizer, mas
como isso marcha, como isso funciona. É como se o desejo não quisesse dizer
mais nada e fosse um agenciamento de pequenas máquinas, máquinas desejantes, sempre numa relação particular com as grandes
máquinas sociais e as máquinas técnicas. E quanto a você? Que são suas máquinas
desejantes? Num difícil e belo texto, Marx invocava a necessidade de pensar a
sexualidade humana não apenas como uma relação entre dois sexos humanos,
masculino e feminino, mas como uma relação "entre o sexo humano e o sexo
não humano". Ele, evidentemente,
não se referia aos animais, mas ao que há de não-humano na sexualidade humana:
as máquinas do desejo. Talvez a psicanálise tenha permanecido numa idéia
antropomórfica da sexualidade, e isso até na sua concepção do fantasma e do
sonho. Um estudo exemplar, como o de Pierre Bénichou, apresentando máquinas
masoquistas reais (também existem máquinas paranóicas, máquinas esquizofrênicas
reais etc.), abre o caminho para tal funcionalismo ou para uma análise, no
homem, do "sexo não humano".
. . .
Gilles Deleuze
Tradução de Fabien Lins
Introdução
ao texto de Pierre Bénichou, "Sainte Jackie, Comédienne et Bourreau",
Les Temps Modernes, nº 316, novembro
de1972, pp. 854-856.
K.Marx, Critique d e la philosophie de l'Etat d e Hegel, in Œuvres
complètes, IV, Paris, Gallimard, coll. "Bibliothèque de la Pléiade ", pp.
182-184.
domingo, 29 de julho de 2012
De Max Martins para vocês
Amemo-nos
neste instante, minha alma: Há
coisas entre nós que não sabemos, ou
ainda não são
são álibis
Max Martins, “Exílio 2”
Em "Mal de Arquivo", de
Jacques Derrida, se percebe não haver nem neutralidade, nem inocência quando se
trata de preservar a memória. A “mal-estrelada/Memória
arfante” do célebre poema de Mário Faustino. Se a grande obra está sempre em expansão, pode acontecer também, por vezes, dela cair no exílio. Grafônomo
até o fim, Max Martins tem ainda boa parte de um acervo inédito, avulso, disperso
a ser reunido – bilhetes, notas, colagens e principalmente cartas que o poeta
enviou em todas as direções, como comprova o livro recentemente lançado em São Paulo "Cartas ao Max", de Élida Lima. E doravante o lugar de chegada desse material é o
Museu da UFPA, que já abriga o acervo reunido pela família, e que inclui as
edições originais dos livros do poeta, biblioteca, diários e objetos pessoais. Autor
de uma obra artística vigorosa, Max Martins deve figurar naturalmente em
qualquer bibliografia avançada dos estudos contemporâneos de poesia. Daí a
grande expectativa pela entrega do acervo que o Museu mantém sob sua guarda
desde 2010.
A petição que circula no
ambiente rarefeito da internet demonstra a constelação dos interesses e os ecos
que a obra propaga. O documento reivindica exatamente maior urgência no
trabalho de catalogação do acervo. Não que isso em momento algum pretenda desqualificar
a instituição que já abriga outros importantes acervos, como os de Eneida de
Moraes, Vicente Salles, Silveira Neto. Antes, manifesta a preocupação com a
disponibilização do acervo num espaço adequado de liberdade e criatividade,
num formato de gestão não “empresarial” que nem sempre a instituição pública
consegue empreender, sobretudo em face dos parcos recursos públicos e do descompromisso
dos governos com a cultura. Outro aspecto que a petição evoca é maior visibilidade
ao poeta Max Martins, e para tanto reivindica a adição do seu nome à Casa da
Linguagem – ele para si mesmo nunca reivindicou tal coisa nem mesmo outra –,
por tudo que esse homem, esse grande poeta criou e foi capaz de amar, e para
que isso permaneça junto de nós, não só desde um letreiro, mas para além disso,
pelo cruzamento de vida e personalidade artística radical, dionisíaca, capaz de
afetar e se fundir ao tempo.
Esse documento tomou forma
a partir das discussões mantidas com leitores, estudiosos e familiares do
poeta, sempre a partir das articulações poéticas que permanentemente a obra de
Max Martins provoca no ambiente de cultura da cidade e mundo afora. E recai na
urgência maior de se republicar a sua obra. Da mesma maneira, lembremo-nos ainda, como
responsabilidade de curto prazo, do espólio de Paulo Plínio Abreu, Mário
Faustino, Cauby Cruz, Bruno de Menezes, Ruy Barata, Lucinerges Couto, Maria
Lúcia Medeiros. Da imensa força que eles ainda movimentam e da qual não podemos
abrir mão, sem que a fúria do silêncio nos amesquinhe um pouco mais.
Ney Ferraz Paiva
imagem: Helena Almeida
quinta-feira, 26 de julho de 2012
o método é simples
fumar cigarro tomar
vinho
não há outra maneira
de fazê-lo
levará tanto tempo
quanto vocês queiram
mas é algo a fazer
aqui mesmo agora mesmo
– a palavra duas
vezes mais embriagada que outra
atingirá duas vezes
mais rápido o coração do outro?
ney ferraz paiva
imagem: james gallagher
quarta-feira, 25 de julho de 2012
SALDO
Entrem amigos tomem assento entre os meu
pertences
os quais não me pertencem mais do que a vocês
suas melenas copiosas não tenho nada para
brindar
como em outro tempo leite pão velho ou uma ou
outra
tíbia palavra que roer como veem
as coisas mudaram muito
vocês estão mortos a uns quantos
calendários
eu tive um pouco mais digamos de destreza
com as doenças dos primeiros anos
mais acreditem não é nenhuma vantagem
estar ainda do lado dos vivos
gozando de seus escassos privilégios
(estar de novo com vocês
no portal imaginário da casa onde
convivíamos
onde ainda aguardamos o café de cada tarde
não sem certa amargura recente e viva como um
morto)
velhos amigos como lamento esta falta de tudo o que lhes
oferecer
minha ignorância e um pouco de impotência
pelas coisas que ocorrem por aí (falou-se
muito da guerra do genocídio e de certa
probabilidade
de extermínio parcial ou total da espécie humana
mas falem
como vão vocês sem ninguém como vão vocês no nada
sem ter que trabalhar para ganhar um osso
quando já não faz falta romper a noite
com um tremendo uivo
Delfín Prats, O Sonho da Insularidade, Lume, 2012
Tradução: Fábio Aristimunho Vargas
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