SALDO
Entrem amigos tomem assento entre os meu
pertences
os quais não me pertencem mais do que a vocês
suas melenas copiosas não tenho nada para
brindar
como em outro tempo leite pão velho ou uma ou
outra
tíbia palavra que roer como veem
as coisas mudaram muito
vocês estão mortos a uns quantos
calendários
eu tive um pouco mais digamos de destreza
com as doenças dos primeiros anos
mais acreditem não é nenhuma vantagem
estar ainda do lado dos vivos
gozando de seus escassos privilégios
(estar de novo com vocês
no portal imaginário da casa onde
convivíamos
onde ainda aguardamos o café de cada tarde
não sem certa amargura recente e viva como um
morto)
velhos amigos como lamento esta falta de tudo o que lhes
oferecer
minha ignorância e um pouco de impotência
pelas coisas que ocorrem por aí (falou-se
muito da guerra do genocídio e de certa
probabilidade
de extermínio parcial ou total da espécie humana
mas falem
como vão vocês sem ninguém como vão vocês no nada
sem ter que trabalhar para ganhar um osso
quando já não faz falta romper a noite
com um tremendo uivo
Delfín Prats, O Sonho da Insularidade, Lume, 2012
Tradução: Fábio Aristimunho Vargas
Trago comigo um pedaço de papel de pão onde escrever a chave de entrada, onde decalcar o café, onde desembrulhar um abraço, Ney.
ResponderExcluirGrato, Katy, hoje no dia do escritor, divido o poema com você, o afeto, a Amizade. Grande abraço
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