Rumor de risos, vozes, tinir de
louças, é dia de festa e
comemoram um santo ou
um aniversário. Meus primos e primas, maiores,
pulam no terraço. Há um ir e
vir de gente que passa ao lado do vulto sem se deter.
O vulto chora. Desde
séculos chora e ninguém o ouve. É o único que chora
seu pranto. Extraviou-se
num mundo que é, ao mesmo tempo, familiar e
remoto, íntimo e indiferente.
Não é um mundo hostil: é um mundo estranho,
embora familiar e cotidiano,
como as guirlandas da parede impassível, como as
risadas da sala de jantar.
Instante interminável: ouvir a si mesmo chorar em
meio à surdez universal...
Não lembro mais. Sem dúvida minha mãe me
acalmou: a mulher é a porta de
reconciliação com o mundo. Mas a sensação não se
apagou nem se apagará.
Não é uma ferida, é um oco. Quando penso em mim,
toco nele; ao apalpar-me,
o apalpo. Alheio sempre e sempre presente, nunca
me deixa, presença sem
corpo, mudo, invisível, perpétua testemunha de
minha vida. Não fala comigo,
mas eu, às vezes, ouço o que seu silêncio me diz: esta
tarde começaste a ser tu
mesmo; ao descobrir-me, descobriste tua ausência,
teu oco: te descobriste. Já
sabes, és carência, busca.
comemoram um santo ou
um aniversário. Meus primos e primas, maiores,
pulam no terraço. Há um ir e
vir de gente que passa ao lado do vulto sem se deter.
O vulto chora. Desde
séculos chora e ninguém o ouve. É o único que chora
seu pranto. Extraviou-se
num mundo que é, ao mesmo tempo, familiar e
remoto, íntimo e indiferente.
Não é um mundo hostil: é um mundo estranho,
embora familiar e cotidiano,
como as guirlandas da parede impassível, como as
risadas da sala de jantar.
Instante interminável: ouvir a si mesmo chorar em
meio à surdez universal...
Não lembro mais. Sem dúvida minha mãe me
acalmou: a mulher é a porta de
reconciliação com o mundo. Mas a sensação não se
apagou nem se apagará.
Não é uma ferida, é um oco. Quando penso em mim,
toco nele; ao apalpar-me,
o apalpo. Alheio sempre e sempre presente, nunca
me deixa, presença sem
corpo, mudo, invisível, perpétua testemunha de
minha vida. Não fala comigo,
mas eu, às vezes, ouço o que seu silêncio me diz: esta
tarde começaste a ser tu
mesmo; ao descobrir-me, descobriste tua ausência,
teu oco: te descobriste. Já
sabes, és carência, busca.
Octavio Paz
Mel Bochner
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