Desenho de Giselda
Leirner
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TODOS CANTAM SUA
SEMANA...
por MAX MARTINS
por MAX MARTINS
Domingo – Compadre,
eufórico, copinho de batida de jenipapo na mão, balançava o copo satisfeito,
sentado na rede armada no quintal. Sacudia a pedra de gelo no copo, semicerrava
os olhos por um instante, como se quisesse ouvir melhor o ciscar das galinhas.
Eram duas horas da tarde. Eu o invejava.
Segunda feira – O
bilhete marcava um encontro para as dez e pedia o endosso de uma promissória.
As dez encontramo-nos. Tudo foi acertado, mais quinhentos cruzeiros que lhe
emprestei. Para os selos.
Terça-Feira –
Debaixo do birô as pontas de cigarro atestavam o meu mau humor. O lápis
arranhava o papel. Os números indo saindo indiferentes, muito cínicos. Iam
alinhando-se na folha comuns diabinhos.
— Clarinha
telefona. Está ainda inconsolável porque domingo não foi a Salinópolis. O
senhor diretor não deu o vale para a compra do maiô. “Fiquei chateadíssima o
domingo todo”. Clarinha tem 22 anos e um precário noivo na Guanabara há seis
meses. Outro dia pediu que eu escrevesse pra ela uma carta “saudosa” ao Luiz.
Clarinha sabe chatear.
Quarta-Feira – José
me escreve do Rio. Fala de coisas “secretíssimas” é a prima Helena, sua atual
amante. Todo mundo sabe. O que se ignora é se ela será a última como ele diz.
“Essa mulher é pra toda vida”. Ela e Mariinha (Mariinha é sua mulher). José é
um pouco complicado, mas boa praça.
Quinta-Feira –
“Camões também tem borradas como toda gente e tem passos no Lusíada que são uma
caceteação, a gente lê porque, por preconceito, quer dizer que leu os Lusíadas.
Eu nunca li o Lusíada inteirinho. Me causa, fica pro dia seguinte e não pego
mais”. Isto foi dito por Mário de Andrade, Escoei a tarde lendo as cartas dele.
Sexta-Feira – Minha
filha menor me pede um laboratório químico de brinquedo para inventar uma droga
que a torne invisível.
O mundo marcha. Com
a idade dela eu queria um avião para descer com ele em frente à escola e raptar
a professora.
Sábado – Porque é
sábado, tome Vinicius. O poeta detesta as mulheres que fazem ginástica. “Ela
era uma madona de formas arredondadas e modelo grande. A mulher não nasceu para
as fitas métricas e, sim, para os homens que as amam”.
— Numa rede,
copinho na mão (batida de maracujá), não mais o compadre. O copo está comigo e
eu na rede, folheando a prova escrita da minha filha mais velha. Bahia, capital
Salvador. Me vem na memória Mario Cravo e o Dr. Rui Barbosa.
— Alguém me
perguntou se vou entrar para Academia. Fico admirado. Se todo mundo pensa que
sou de lá... Não minto nem desminto. A Academia dá um certo cartaz. Na
repartição, no ônibus, entre os vizinhos. Ruim é quando me pedem para escrever
uma mensagem de aniversario para o rádio. “O Sr. Sabe. O Sr. É “imortal”, sabe
manejar as palavras”. Sempre faço as mensagens. Sou uma boa pessoa,
perfeitamente transitável entre meus semelhantes.
— Joca me pede um
soneto para a namorada, Marco Aurélio uma gravata para uma festa. Minha mulher
um pic nic, minha filha uma bicicleta. Maria quer um abraço, Meireles uma carta
de apresentação. Só ainda não dei a bicicleta.
Crônica publicada
no jornal A FOLHA DO NORTE, anos 1940.
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