CÍRCULO ONANÍSTICO DE LEITURA
Prece
Guillaume Zuili |
Prece
Eu não sabia
Nem tu sabias
Nem mesmo
alguém desconfiava
que toda manhã
- Quando a neblina
ainda espessa
ancorava sobre o rio
e se demorava
por levantar pássaros
extraindo do orvalho
o sonido estridente das cigarras
-um grilo intumescido
um alvo senso
no acordar
da estrela solar-
ele calava diante das águas
numa prece pastoril
sacro-ofício de quem na vida
encontrou-se a perder
e ver
tudo o que já lhe arrancou o tempo
- o mesmo que ensina sua filha a crescer -
E ele sabe que dessas grandezas,
a falta que só cabe
na esfera da saudade
e no que não se pode mais dizer
e no que não se pode mais fazer,
é um além que caminha lado a lado
de correntes atadas aos pés
uma pedra gigante sobre as costas
que ali
ante a lama
e o respiro
dos seres invertebrados
- artrópodes
umectando o ar -
ele, o Anfíbio
agora soltava
No estrondo do silêncio
desaguava em direção às margens
não um segredo intocável
ou qualquer coisa indecifrável
mas aquilo que tu certamente sabes
e eu também
e nem mesmo alguém precisou contar
pois
É sobre o que também sabem as mães
ao lado de seus filhos
na maca de um hospital
É sobre os invernos das cidades
e os mendigos sem vestes
sobre as míseras migalhas de pão
no coração dos corruptos
sobre o desvio
opulente o abandono
a solidão
Aquilo que só se revela
no gélido da aurora
e penetra nossa face
quando se pode tocar
o frio da manhã
dentro do peito
é quando o peito
abre
até o osso
é quando
de súbito volta
uma canção que diz
sobre a infância
reencontrando o tempo
é sobre tudo o que se ama
sobre tudo o que se chora
e por mais uma vez
desaparece
na curva do rio
Mayara La-Rocque
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A quantidade de
espelhos
não garante absorção e
reflexão
de questões que lhe
dirigimos [apenas um objeto]
Repele tu a matéria
e te conduz a um
outro aspecto
Eleja a ferrugem
Pois viver em saudade
é a mancha prazerosa
Tens pensado em uma
casa
Agora, com o
sacrifício dos metais de tua preferência
uma pia antiga
uma moldura
combinante
Tens pensado em
gavetas de dois puxadores
em gavetas
retangulares de ponta a ponta
a fim de caber peças
para montar-te na
forma de uma fotografia apagada
Aniquilas a
capacidade do real/visível
da presença de fora
Amiúdas-te
até provocar confusão
Tens pensado na
vontade da casa
de colocar os pés em
um por vir
onde entrarás com
propriedade
Até aqui, todo um
caminho seguindo umbigadas
Faz teu assentamento
em quadril
O capacho felpudo
a quadrilha deixa um sopro
para lembrar-te do
conforto de uma casa vazada.
Gabriela Sobral
O Círculo Onanístico propõe escutar a leitura de poemas feita pelos
próprios poetas. Nesta versão, as poetas Mayra La-Rocque (“Uma luminária pensa
no céu”, Editora Escriba, 2017) e Gabriela Sobral (Caranguejo, Editora Patuá,
2017) apresentarão os seus poemas, uma oportunidade para deixar rolar os afluxos, excitações, associações,
como acontece quando alguém lê um livro levantando a cabeça, ou seja, com
ousadia.