o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

terça-feira, 24 de setembro de 2013


PERGUNTAS POR CLARICE LISPECTOR DADA COMO MORTA EM 1977


uma Clarice nasce na Ucrânia
outra em Alagoas outra mais
no Recife     outra no Rio
pelo mundo & fora do tempo
quantas vezes nasce a mulher
negociada num antiquário
despida de antigas memórias
junto com uma velha gravura
desaparecida dentro de um livro
ou num quarto em Belém como
quem não quer nada nem pode
desmunida de correto destino
ou em Nápoles sob bombardeio
virtuose do silêncio do medo
tanto que exímia mãe do abismo
outra registrada com nome falso
outra que soa como uma ameaça
outra migrou despistada de si
arrancada ao coração da noite
selvagem embaralhada pelo azar
quantas vezes nasce a mulher

ney ferraz paiva

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

QUEM NÃO PUDER LER PODE SENTIR O CLIMA



não sei grego apenas comprei a Odisseia de bolso

que o Caio Fernando Abreu recomendou na Folha

não sei se ele sabia essa é outra coisa que não sei

se ele era um bom classicista mas não deveria ser

tem coisas que a gente escreve apenas pensando

no bolso não nas técnicas de versificação do novo

no cotejo mais no cortejo da alma vendida ao diabo 

não no coração nos infames critérios de relevância




ney ferraz paiva
shirin neshart

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

UM BEATNIK NA ERA DE AQUÁRIO


joguei 
golfe com Jack Kerouac
            pensei que seria interessante trazer à tona
alguns lances via internet
            ele ainda não liderava a liga como batedor
mas foi um jogo bastante duro
            um grande taco
procurava captar detalhes do rival 
            raro instinto técnico
como se tomasse notas pro próximo romance
eu até se poderia dividir 
            a transmissão em capítulos
o primeiro seria sobre
            sua linhagem vagabunda & andarilha
depois poderia abordar 
            o excesso de bebida afetando o cérebro
chega o momento ele tenta avalia a estratégia
surpreso à mudança de estilo
            pergunta-me se de fato achavam que tem obsessão patológica pela escrita
            respondo que o tempo todo ele está certo 
os críticos errados
            fui adivinhando o caminho
tinha meu próprio jogo a forjar 
            ele diz ter que se apressar
vai se apresentar ao exame de voo em dois dias
            e teme que precise adiá-lo 
por causa do início de uma hérnia
            desconfio se tratar de um blefe 
depois disseram que sempre fazia esse 
            jogo 
desde que a ex-mulher escreveu
           que ela era Jeck Kerouac
que Kerouac não existia
           sequer escrevia os próprios livros
o que ele tinha a oferecer carecia tanto de atrativos
           que ela costumava tomar todas as decisões
ela digamos assim fez-se por si própria sem que ele
           exercesse alguma influência
que se dependesse dele a classe literária continuaria aí agitando
           de maneira costumeira sempre a mesma merda etc.
último recurso
           ele prepara-se
tenta arremessar na diagonal 
           pés em linha reta
ombros livres de fadiga
           como se para uma nova peregrinação
ir despertar o tempo com uma dança sensual na rua
           cambaleando 
atrás de pessoas que realmente interessam
           Corsos Cassadys Ferlinghettis
(não vive sem eles)
           mangas arregaçadas até o cotovelo 
finalmente arremessa taca
           o umbigo estala trinca explode
agora se pode ir a todo lugar
           agora se pode ir em toda direção
           breve virá o dilúvio



ney ferraz paiva

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

VICIADO EM AUGUSTO DOS ANJOS


acendo meu cigarro Augusto dos Anjos

fim de semana fumo a ruína dos anos

viro duas páginas (sábado & domingo)

espalho o lixo indecifrável da memória

não mantenho mais a casa limpa

não me alimento não verifico o correio

você se apressa a me oferecer fogo


fumo pra escamar o dia o beijo a faísca





Da Série Dervixe, ney ferraz paiva, 2014.




Ney Ferraz Paiva